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As batalhas judiciais em favor da proteção de animais, em especial dos grandes símios, não são novas, tampouco restritas ao Brasil

Em meados de abril o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro indeferiu Habeas Corpus (HC) impetrado por 29 pessoas (físicas e jurídicas) em favor do chimpanzé chamado Jimmy, que há anos se encontra aprisionado em minúscula jaula no Jardim Zoológico de Niterói. O fundamento da decisão foi que chimpanzés, apesar de compartilharem com seres humanos quase 99% da carga genética, não são sujeitos de direito para efeito de proteção mediante habeas corpus.

Pode até parecer, mas as batalhas judiciais em favor da proteção de animais, em especial dos grandes símios, não são novas, tampouco restritas ao Brasil. Atualmente, por exemplo, pende de decisão pela Corte Europeia de Direitos Humanos recurso contra decisão de Tribunal austríaco que igualmente negou proteção ao chimpanzé Matthew Pan.

A questão específica do alargamento dos chamados "direitos humanos" para a proteção de chimpanzés, por exemplo, merece alguma reflexão, liberta de preconceitos de qualquer espécie e de crenças religiosas. Não se trata aqui de se defender ou não o uso do HC para a proteção da liberdade do chimpanzé Jimmy, mas de uma breve reflexão sobre o próprio tratamento jurídico que lhes vem sendo dispensado.

Nos últimos anos, a ciência, expressão máxima da razão, tem demonstrado à exaustão que os chimpanzés, além de terem um mesmo e próximo ancestral comum com os seres humanos, possuem quase 99% da mesma combinação genética, possuem exatamente os mesmos tipos de órgãos, os mesmos sentidos, inclusive os mesmos tipos sanguíneos. Também demonstrou que esses símios possuem inteligência comparável à de seres humanos menos desenvolvidos, comunicam-se, aprendem a identificar símbolos e formas, passam o conhecimento para seus descendentes e têm sentimentos como equidade, justiça, desprezo, angústia e ansiedade, entre vários outros comuns à espécie humana.

No entanto, como bem lembra Richard Dawkins, apesar de todas as brutais e avassaladoras semelhanças, para qualquer ser humano a vida de uma criança vale mais que a vida de todos os chimpanzés do planeta. A rigor, na frieza expressada pela pena do filósofo, qualquer pedaço de carne que seja etiquetado como "ser humano" automaticamente passa a ter valor incalculável, superior a qualquer outro ser vivo não humano.

Essa esquizofrenia moral tem um nome – especismo –, que, derivado do racismo (preconceito de que uma raça é superior a outra), significa um preconceito de que a espécie humana é superior a todas as outras.

A ciência, todavia, insiste em apontar em outra direção. Mas os métodos científicos utilizados para se separar os seres vivos em espécies e nominá-las, não são levados em conta para o estabelecimento de regras de convivência entre os seres de espécies diferentes. Não por outro motivo, os seres humanos concordaram entre si que podem fazer o que bem entendem com os chimpanzés, porque eles são chimpanzés, mas não podem terminar com a vida de um punhado de células agrupadas que eventualmente possam gerar um ser humano, nem sequer podem violar um cadáver que seja de um ser humano, sob pena de se cometer um crime.

Defender que um chimpanzé mereça ser tratado com a mesma dignidade jurídica dispensada a um ser humano não é tarefa fácil. Mas no atual estágio da ciência, considerar os chimpanzés como meros objetos, sem merecer uma maior dignidade de tratamento, parece indicar que o exercício da razão encontra-se ainda subjugado por preconceitos e fantasias antropocêntricas. Essa falha no exercício da razão mostra-se ainda mais evidente quando se percebe que as pessoas jurídicas – mera ficção legal – têm efetivamente direitos subjetivos, inclusive podendo ser vítimas de ofensas morais, que abalem sua reputação. Outorgar esse tratamento aos contratos sociais – simples folhas de papel – e negá-las aos seres mais parecidos com os humanos parece não fazer nenhum sentido, exceto a negação da faculdade cognitiva que distingue e exalta a espécie humana, consoante a cantilena de seus mais ardorosos defensores especistas. Uma autêntica contraditio in terminis.

Anderson Furlan, juiz federal, mestre e doutorando em Direito, coautor do livro Direito Ambiental, entre outras obras

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