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Nas sociedades contemporâneas, a política tem como um de seus elementos centrais o funcionamento dos meios de comunicação, a visibilidade e a imagem pública que os atores políticos, as instituições e os mais diversos temas assumem diante dos cidadãos. De maneira mais ampla, trata-se de considerar que é parte central da política a disputa entre representações do mundo social, que procuram investir-se de veracidade, atualidade e legitimidade. De maneira mais específica, é importante levar em consideração que a política representativa tem como um de seus elementos a exposição de candidatos, partidos e programas a cidadãos que, ao assumirem o papel de eleitores, acionam um dos principais dispositivos, se não de intervenção (em muitos casos), ao menos de legitimação do sistema político vigente.

Há paralelos entre as considerações acima e um dos problemas mais centrais às democracias hoje: a relação entre representação política, interesses privados, imagem pública e propaganda. Os meios de comunicação, que são em sua maior parte empresas privadas, detêm o quase monopólio da exposição pública de representações do mundo social e dos próprios políticos, de veiculação de discursos que conferem sentido e valor à realidade.

Em certa medida, ter visibilidade nos meios de comunicação significa, para os políticos, adquirir existência aos olhos dos cidadãos comuns. Daí a importância da mídia no funcionamento da democracia. Daí também os limites e obstáculos para a democracia, uma vez que a mídia é pouco plural em sua estruturação e, conseqüentemente, naquilo que veicula. Esse problema ganha amplitude nos períodos pré-eleitorais. Há uma grande dependência dos candidatos, ou daqueles que procuram conquistar esse espaço em seus partidos, em relação à mídia comercial. A presença no noticiário, antes mesmo da campanha, pode contribuir para o crescimento ou para a derrocada de um candidato.

No Brasil, o Horário Eleitoral Gratuito, veiculado durante 45 dias a partir de 15 de agosto, permite que os candidatos estejam presentes nas rádios e tevês sem que tenham que se subordinar aos critérios de seleção e relevância da mídia comercial. Mas as regras vigentes atualmente não apagam a distinção técnica entre programas aos quais são dedicados recursos bastante desiguais.

Esses 45 dias de exibição dos programas de candidatos à Presidência, ao Legislativo federal, aos governos e Legislativos dos estados e do Distrito Federal, são um tempo reduzido diante de campanhas que se iniciam muito antes da largada oficial, como neste ano de 2006. No caso da campanha presidencial, destaca-se o fato de que a correlação de forças, com os temas e enquadramentos que constituem a corrida eleitoral deste ano, parece ter não apenas se definido antes, mas estruturado os programas para a tevê e o rádio, que não indicam ousadias ou rupturas em relação às posições e discursos estabelecidos ao longo dos últimos meses.

As estratégias dos dois principais candidatos não apresentam novidades e confirmam o tom morno da campanha. Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin atualizam em suas campanhas até o momento um debate delimitado à estabilidade econômica e ao crescimento "responsável", ao lado do assistencialismo como forma de tratamento dos problemas sociais e do tema da corrupção, também central à disputa e à imagem pública dos candidatos. Heloísa Helena, que ocupa o terceiro lugar nas pesquisas, concentra-se prioritariamente na temática da corrupção, em tempo bastante reduzido.

Lula expõe realizações do atual governo, mescladas a uma trajetória que permitiria afirmar que "o povo está na Presidência". Procura driblar as denúncias de corrupção, silencia sobre aspectos importantes da opção econômica feita e desvincula-se do PT, partido que ajudou a fundar. Enquanto isso, a campanha de Geraldo Alckmin, nos moldes das campanhas anteriores do PSDB à Presidência, que procuraram ressaltar a competência administrativa do candidato, aposta na apresentação da personagem, sem modificar o enredo.

Observações como essas permitem concluir que, para analisar o Horário Eleitoral Gratuito, é importante levar em consideração não só as regras que orientam sua realização, mas o contexto político específico de veiculação dos programas, as estratégias dos candidatos e as relações entre a agenda que procuram afirmar e a agenda dos meios de comunicação, entre as imagens e valores que procuram associar a si mesmos e as imagens e valores que a eles se associam em processos mais amplos de construção da sua imagem diante dos eleitores. A possibilidade de veicular imagens e discursos sem a subordinação usual à mídia comercial não significa que os programas destoem da lógica vigente. Ao contrário, cada vez mais profissionalizadas, as campanhas apresentam discursos pasteurizados e candidatos moldados a essa lógica. Nas últimas eleições, e também nas atuais, elas parecem apostar mais na adequação do que na confrontação.

Flávia Biroli é professora adjunta do Instituto de Ciência Política da UnB e doutora em História pela Unicamp.

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