• Carregando...

A nação está acompanhando indignada o firme ressurgir de uma velha prática política, voltada para a sedimentação cultural da corrupção. O grave aviso de um senador da República em revista de circulação nacional não foi alerta suficiente. Tivemos um repique da cultura permissiva, com a eleição de um ex-presidente cassado para uma das mais importantes comissões do Senado.

Informações de bastidores dão conta de que a eleição teria tido o aval da Presidência da República. O episódio põe a nu a fragilidade das instituições brasileiras no combate à corrupção. Os dois fatos intrigadores são justificados com base no princípio constitucional da inocência. Diz a nossa Constituição que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Vale dizer, ninguém pode ser considerado culpado enquanto não tiver contra si uma sentença condenatória irrecorrível. Sempre defendi este importante fundamento. É básico para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Mas, convenhamos, o princípio protege o indivíduo em relação à sociedade e não a sociedade em relação ao indivíduo. Há de se fazer uma real distinção. Sob o ponto de vista da individualidade e da particularidade de cada cidadão brasileiro, ninguém pode acusá-lo de criminoso. É o que o preceito constitucional assegura.

Porém, quando estamos diante da res publica, latu sensu, o critério da oponibilidade contra todos (presunção absoluta da inocência) deve ceder. E deve ceder porque temos de estar com o pensamento voltado para a proteção de outros princípios constitucionais, mais relevantes, como o da moralidade, da lisura, da exação e da transparência no trato da coisa pública. Tais princípios são republicanos, cidadãos, coletivos e sociais e, portanto, são precedentes em relação aos individuais.

A prevalência da proteção pública em face da proteção individual é regra universal de direito. No eventual confronto entre ambas, deve prevalecer a primeira.

A ideia, portanto, é mitigar, com base nesses princípios maiores a aplicação da presunção da inocência. Que fique claro: não estou advogando a quebra do princípio da presunção da inocência. Porém, há que se impedir, temporariamente, que aqueles que sejam condenados, em segundo grau de jurisdição, em processos criminais, em ações civis públicas, em ações populares ou em ações de improbidade venham a exercer funções públicas, diretas ou indiretas, de quaisquer natureza.

É o que na linguagem jurídica se denomina de impedimento vencível. Superado o impedimento, nada obstará que exerçam na plenitude a função pública.

A proposta é, pois, no sentido de se impedir, de imediato, o exercício do cargo público ou de cargo em entidade que receba verbas do poder público ao cidadão que venha a ser condenado. No caso, não haveria desrespeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, ao princípio do devido processo legal e ao princípio da ampla defesa vez que estariam esgotadas as instâncias ordinárias. Em regra, as ações referidas são propostas em juízo de primeiro grau, cabendo recurso das sentenças para os tribunais de justiça ou federais regionais. Por outra, aos tribunais superiores é vedado analisar matérias meritórias.

O condenado pode até ser candidato, mas se eleito, não toma posse. Só tomará posse quando absolvido ou findo o processo. Se estiver no exercício do cargo e for condenado, deverá imediatamente dele se afastar. Só retornará com a absolvição ou finalização do processo.

Aplicado o impedimento vencível, teremos outro salutar efeito: os condenados procurarão resolver as pendências jurídicas o mais rápido possível e não vão proceder como hoje procedem: apostar que o tempo é o senhor da razão.

A proposta ficaria assim sintetizada: publicado o acórdão, o condenado em processo criminal, ação civil pública, ação popular ou em ação de improbidade fica impedido de exercer mandato, cargo ou função de qualquer origem ou natureza, civil ou militar, cuja investidura decorra de eleição, concurso, nomeação ou indicação, em qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na administração direta ou indireta, nas autarquias profissionais, entidades sindicais, partidos políticos, organizações sociais, serviços sociais ou organizações internacionais das quais a República Federativa do Brasil seja membro. Eis um bom debate cidadão.

Luiz Felipe Haj Mussi é advogado e desembargador federal do aposentado. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná e secretário extraordinário de Assuntos Fundiários do Paraná.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]