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No rio de dinheiro que essa obra vai cus­­­tar, há previsão de pesquisa arqueológica e consolidação de obras antigas? É preo­­­cupante. E diria mais, é muito preo­­cupante

Em O moderno e o modernismo, diz Frederick R. Karl: "As pessoas matarão pelo que é moderno – ou matarão para se opor a ele". Poderíamos acrescentar que, mais facilmente, em nome do que é moderno, deixarão detonar suas cidades.

Com relação ao metrô de Curitiba – e outras obras do faraonismo esportivo – faço de bom grado o advogado do diabo. Escavo dificuldades, identifico problemas, coloco pontas em tudo. Explico: quando são deflagrados interesses desse porte, eles se tornam incontroláveis. Tudo se sacrifica para que a obra seja efetivada, aceita-se a perigosa ideia do progresso sem ordem, entram na ordem do dia insanidades do tipo "é o preço do progresso" ou "não se faz omelete sem quebrar os ovos" e assim por diante.

Em uma crônica publicada recentemente, Marleth Silva entra para o clube dos que se angustiam com essa irreflexão, com a afobação com que nos deixamos envolver pela suposta modernidade inconsistente e global, deixando destruir o que nos é específico e característico, como se fosse a coisa mais natural do mundo:

"... o desperdício de recursos nesse ciclo construir-destruir-reconstruir, a falta de personalidade das ruas sempre renovadas segundo o último modismo, que não contam a história da cidade e de seus habitantes..."

Não pretendo discutir o metrô em si. Tenho usado esse transporte em grandes cidades do planeta e não sei se ele resolve alguma coisa. Apesar de que, é difícil avaliar se, sem ele, a situação não seria pior. Acho que nas cidades bem equacionadas e projetadas, ele é um elemento importante, mas não definitivo.

Também não sei se a sensação de ganho de tempo que temos ao usá-lo não é mais forte que o efetivo ganho de tempo. Porque, ao entrarmos numa estação de metrô, o tempo da cidade deixa de existir. Não se vê mais nada, só mesmo o interior do trem e as caras inexpressivas dos passageiros, todos desejosos de chegar logo e sair dali. O tempo entre a estação de entrada e a de saída é como que recortado de nossas vidas, é tempo não vivido. Pelas janelas, só vemos tenebrosas paredes escuras e os nomes das estações, nem a velocidade de deslocamento se avalia. E mesmo para quem é apenas levemente claustrofóbico, o melhor do metrô é sair na outra estação, o que talvez explique o prestígio desse transporte.

Mas, como dizia antes, não pretendo aqui uma discussão do metrô em si. Tenciono mencionar apenas – e só uma! – das preocupações que me causa essa cirurgia na minha cidade: foi tirada a licença patrimonial?! A licença ambiental, dizem as reportagens, existe. Muito bem, mas e a patrimonial?

Das 22 estações da primeira linha-tronco – porque, não se iludam, um metrô é obra para sempre, não acaba nunca – pelo menos em cinco locais passa por áreas de interesse patrimonial, onde esse risco teria de ser avaliado. E é claro que estou me referindo apenas aos nomes das estações, visto que não conheço o projeto em si: Alto da Glória, Passeio Público, Rua das Flores, Eufrásio Correa e Osvaldo Cruz.

A preocupação não é com o visual das estações – que, num projeto cuidadoso, podem ser discretas. Mas, principalmente, com a estabilidade das antigas construções, que não foram feitas para suportar esse tipo de circulação e, menos ainda, as obras de sua implantação.

Também me preocupo ao me lembrar do professor Igor Schmyz, em reunião do Conselho Estadual de Tombamento, afirmando: "... onde tem rio, tem interesse arqueológico". E a tal obra rasga regiões com muitos rios.

Então, no rio de dinheiro que essa obra vai custar, há previsão de pesquisa arqueológica e consolidação de obras antigas? É preocupante. E diria mais, é muito preocupante.

Key Imaguire Junior, arquiteto, é professor aposentado da Universidade Federal do Paraná.

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