• Carregando...

Enquanto as oligarquias mais atrasadas ainda mostram que não largarão facilmente o osso do "pudê" e a buro­­cra­­cia estatal está infestada de parasitas bem pagos e bem apadrinhados, o rigor técnico resiste bravamente

Certa vez, a revista New Yorker publicou uma charge em que Alarico, o rei dos godos, montado em seu cavalo, diz para outro guerreiro: "É como sempre digo. Até agora Roma teve momentum, agora são os visigodos que têm momentum!" Os visigodos somos nós, que – de repente – ganhamos visibilidade mundial, confirmada agora com a escolha do Rio para sede da Olimpíada de 2016. O espírito racionalista que passei a vida toda cultivando não resistiu à emoção quase que infantil de ver o Rio, tão maltratado pela crueldade de seus problemas, receber a oportunidade inédita de mostrar ao mundo todo que é capaz de se reinventar e se mostrar no esplendor de sua beleza natural e humana.

O Brasil conseguiu se livrar da inflação, mas na realidade, nos últimos vinte anos se livrou de outros traços ainda mais perniciosos: sepultamos a economia protecionista, blindada contra a competição internacional por obstáculos criados artificialmente para permitir a sobrevida de um sistema econômico ineficiente e complacente consigo mesmo; conseguimos construir uma agroindústria de qualidade e porte mundiais, com níveis de produtividade comparáveis à de americanos, canadenses, australianos e neozelandeses; e uma pecuária livre da aftosa, da brucelose, das verminoses, que hoje é líder mundial do mercado de carnes; somos pioneiros na agroenergia com o álcool e os biofuels, e estamos a caminho da liderança na produção de frutas. Conseguimos nos transformar, em cinquenta anos, de importadores de arados na terceira maior indústria aeronáutica do mundo; de um país que importava tudo ou quase tudo, mesmo os bens mais triviais, em uma potência na área das manufaturas de média complexidade, e sede da quinta indústria automotiva do planeta.

Mesmo na vida pública, enquanto as oligarquias mais atrasadas ainda mostram que não largarão facilmente o osso do "pudê" e a burocracia estatal está infestada de parasitas bem pagos e bem apadrinhados, o rigor técnico resiste bravamente, em integrantes de carreiras protegidas pela meritocracia. E na vida universitária, um arquipélago de ilhas de excelência derrota o corporativismo e o anacronismo que dominam a educação brasileira e consegue, mesmo, fazer avanços.

Nada disso foi realizado da noite para o dia. Os avanços na agropecuária devem ser creditados a instituições que ganharam respeitabilidade ao longo de décadas e até de séculos: as grandes escolas de agricultura e a Embrapa por exemplo; mas igualmente a um empresariado e ao trabalho rural, que se mostraram capazes de se reciclar profunda e rapidamente quando as circunstâncias exigiram. A indústria moderna deve enormemente aos grandes centros de engenharia brasileira, civis e militares, que em poucas décadas, ajudaram o setor produtivo a transformar um país irremediavelmente atrelado a uma agricultura de baixo rendimento numa economia versátil e diversificada. Mas o nosso maior sucesso foi a mudança mental que, pouco a pouco foi se instalando no país: há quantos anos não ouvimos falar de racionamentos, de congelamentos de preços, de tablitas, de caça ao boi gordo nas fazendas, da caça aos "tubarões", na exorcização dos produtores agrícolas? Guerreiro Ramos dizia que a ascensão do "povo" como elemento da construção nacional foi o fenômeno mais importante da vida brasileira a partir dos anos cinquenta do século XX. O povo está fazendo a sua parte. Agora, falta à elite política e intelectual mostrar-se à altura dele. E para isso, ainda dizia meu velho guru, é preciso que ela se dispa de maneirismo, de dandismos, de afetações culturais, e da sociologia consular que nada mais faz do que representar internamente as idéias gestadas nos grandes centros do exterior, para construir uma verdadeira inteligência brasileira.

Parabéns, meu querido Rio de Janeiro, pela conquista das Olimpíadas. Quem sabe essa seja a oportunidade para mostrar àqueles que maltratam você com a desídia, a incompetência, a corrupção e o abastardamento cívico, que você é maior que todos eles.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]