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Felipe Lima

Os benefícios de morar perto do trabalho são óbvios. Basta imaginar o que poderíamos fazer com o tempo gasto no ônibus ou no carro; o uso da bicicleta é melhor não inserir nesse cálculo: há alguns que só veem prazer nesse trajeto. O censo americano diz que o deslocamento urbano médio é de 25 minutos; no Brasil, tempo e descontentamento em relação ao trânsito e serviços de transporte crescem. Em 2011, 26% da população levava uma hora para chegar ao trabalho; em 2015, 31%.

Desnecessário falar que o transporte público precisa ser melhorado: as grandes manifestações de 2013 mostraram isso. O que não ficou claro é que o uso do solo urbano também implica na qualidade e no tempo gasto para se movimentar. Muito se desrespeitou a legislação, muito se planejou mal ou segundo interesses de momento, pouco se fiscalizou e muito se abusou de normas urbanas. Brincou-se e brinca-se com fogo: poder público, sociedade, ricos e pobres.

Morar perto do trabalho é uma excelente ideia, mas pouco factível

Uma gleba é parcelada e, com vagar, seus lotes são ocupados, tomando mais de uma geração. Enquanto isso, não se tem o número mínimo de pessoas que custeie um transporte coletivo sem prejuízos. Muitas vezes, a tal gleba cria enormes vazios intersticiais: enquanto se vê o campo pela janela do ônibus ou do carro, joga-se tempo e dinheiro fora. Outras vezes, a legislação permitiu ou não se fiscalizou a ocupação em áreas com topografias que dificultam qualquer trajeto motorizado, a pé ou de bicicleta: aumenta-se o tempo do trajeto, o desgaste dos equipamentos e o cansaço humano.

Fácil constatar, difícil resolver, pois implica questões que vão além da simples decisão técnica, envolvendo o valor da terra, especulação, capacidade de compra do morador, morosidade do poder público, desrespeito por parte dos moradores das regras mínimas de convivência urbana.

Solução mágica: por que não morar perto do trabalho? Excelente ideia, mas pouco factível, por três motivos.

Em primeiro lugar, nossas cidades caminham para a consolidação: aqui moram uns, lá produz-se isso, lá produz-se outras coisas, lá compra-se aquilo e mais além compra-se algo diferente. Estruturas urbanas e arquitetônicas são elementos de difícil mudança: não é fácil transformar fábrica em conjunto habitacional ou escola em fábrica.

Além disso, em média, o brasileiro permanece três anos no emprego; ao contrário, 90% das famílias está no mesmo domicílio há mais de cinco anos. Dificilmente mudamos de residência ao iniciarmos em um novo emprego. Mudar-se para uma área mais cara pelo fato de o novo emprego lá se encontrar é opção para poucos. Diaristas da nossa região metropolitana relatam melhor esse fato.

E, por fim, o que nos faz iguais na cidade não é o emprego que temos. Trabalhamos no mesmo local, mas somos diferentes em renda, composição familiar, formação e desejos. Essas variáveis influenciam na escolha e no número de opções que temos em relação ao local da moradia.

Tais explicações ajudam a entender o problema, mas não o resolvem. E se mudássemos o desejo, perguntando: morar muito perto do trabalho é sempre bom? Locomover-se pela cidade não poderia também ser produtivo? O convívio com outras áreas da cidade não poderia ser bom para a economia e as relações pessoais? Então concordemos que o ideal é morar “mais ou menos perto”. Meia hora por trajeto? Ah, isso sim. Isso vale a pena defender.

Clovis Ultramari, arquiteto, é professor do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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