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O Vale-Transporte representou um subsídio social importante e, ao mesmo tempo, despolitizou o tema do preço das passagens, que antes incendiava e azedava o clima político a cada reajuste

Com Affonso Alves de Camargo Neto morrem uma inexcedível vocação para a vida pública, uma inteligência política singular e desaparece um dos protagonistas da história do Paraná moderno, mais do que simples testemunha de sua evolução ao longo das últimas seis décadas.

Affonso foi um dos personagens centrais da turma de jovens que mal havia feito 30 anos e dos quase-meninos, recém-saídos da faculdade, recrutados por Ney Braga para a grande tarefa de modernização econômica e social que foi seu primeiro governo (1961-1965). Buscando apenas na memória e correndo o risco de omissões importantes, estou falando de Parigot de Souza, Saul Raiz, Jayme Canet Junior, Italo Conti, Norton Macedo, Maurício Schulman, Oscar Alves, Rubens Requião, Celso Saboia, Osiris Stenghel Guimarães... e Affonso. Como um Ataturk dos trópicos, Ney reuniu essa meninada para desmontar o nosso mini-Império Otomano, retrógrado, viciado e com alta tolerância com a corrupção, o favoritismo, o atraso e a inação. Foram os nossos Jovens Turcos.

Affonso, um dos mais articulados entre eles, tinha berço político, vindo de seu avô Affonso Camargo e de seu tio Caetano Munhoz da Rocha, mas acredito que caracterizá-lo como o último sobrevivente da oligarquia política da Velha República, como fez um cientista político local, é de um simplismo atroz. Primeiro, porque ser neto ou sobrinho de um político influente em outras épocas não é um pecado original a ser deplorado, uma mácula indelével. Segundo, porque o que caracterizou a vida pública de Affonso foi a sua modernidade, sua visão de futuro e não seu culto à família e ao passado.

Quando Ney Braga, com a assessoria de alguns poucos como Alex Beltrão e o próprio Affonso, concebeu o Fundo De Desenvolvimento Econômico e, na sua esteira, criou a Codepar, lançou as bases para financiar o grande programa de modernização da infraestrutura de seu governo. Em um estado falido, sem dinheiro para pagar seus funcionários e com capacidade de investimento zero como o que Ney encontrou, o FDE representou um colossal aporte de recursos para industrializar o estado, livrando-o da dependência do café e de suas geadas devastadoras. Criado como empréstimo compulsório de 2%, sobre o valor das vendas, o FDE representou um acréscimo de 40% na arrecadação estadual, que foi utilizado para financiar indústrias e, mais importante ainda, para financiar a modernização da infraestrutura de estradas, energia e telecomunicações para atraí-las. Foi do FDE que vieram os primeiros recursos para a construção da Rodovia do Café, para os programas da Copel e os primeiros investimentos da Telepar, sementes da grande transformação econômica que experimentamos a partir dos anos 60. E quem foi o presidente fundador da Codepar? Affonso.

Depois, como ministro dos Transportes, deu outra enorme contribuição modernizadora, desta vez ao país, ao criar o Vale-Transporte. Num país da instantaneidade, do fugaz e da memória fraca, as pessoas nem se lembram mais de que, antes que Affonso o criasse, 10% ou mais da renda de um trabalhador eram destinados a simplesmente para levá-lo para seu local de emprego e trazê-lo de volta. O Vale-Transporte representou um subsídio social importante e, ao mesmo tempo, despolitizou o tema do preço das passagens, que antes incendiava e azedava o clima político a cada reajuste.

Curiosamente, apesar de sua sobriedade e de seu temperamento cortês e educado, Affonso provocou sempre julgamentos apaixonados a favor ou contra. Mas foi também uma daquelas poucas pessoas que podem se ver retratadas na letra da clássica "My Way": fez grandes coisas, cometeu grandes erros, deve ter tido arrependimentos, momentos que "mordeu mais do que podia engolir". Mas fez tudo. De bom ou mau, de certo ou errado, "do jeito dele..."

Um tipo inesquecível, um espírito generoso, um querido amigo, que nos deixou mais pobres com sua morte.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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