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Mudar tudo para não mudar nada. Parece que essa é a estratégia do governo federal quando propõe uma contabilização diferente para as contas da Previdência. Concordo com a medida. Onde muitos não vêem mudança alguma, existem, na verdade, avanços.

Em 1988, surgiu a Seguridade Social no Brasil. São três programas diferentes: previdência, assistência à saúde e assistência social. Todos de proteção aos chamados riscos sociais: invalidez, doença, desemprego e morte, mas também, e principalmente, proteção à velhice. Todas situações em que nós ou nossa família precisamos de socorro financeiro.

Para a assistência à saúde do SUS e outros programas de assistência social, como o Bolsa-Família, ninguém precisa contribuir. O dinheiro vem dos impostos.

Já a previdência é contributiva: para ter direito a ela tem de se descontar do salário e a aposentadoria é proporcional às contribuições. É o único dos três programas que é um seguro. Foi criado para repor rendas ao trabalhador quando ele perde a capacidade de produzir, principalmente por idade avançada.

O INSS administra a previdência oficial – o chamado Regime Geral de Previdência Social –, que é destinada aos trabalhadores do setor privado.

Nele estão incluídos dois programas: um dos trabalhadores urbanos e outro dos trabalhadores do campo. Diferentemente dos trabalhadores urbanos, que contribuem para a previdência sobre o seu salário – com 10%, em média, e o seu empregador mais 20%, o que dá 30% –, no setor agrícola a contribuição é só patronal e não passa de 2,3% sobre a comercialização da safra.

A fiscalização é extremamente difícil e, mesmo a contribuição sendo tão baixa, é fato que há sonegação.

O resultado disso é que, no ano passado, os trabalhadores rurais contribuíram com apenas R$ 3,8 milhões e com eles foram gastos R$ 32,36 bilhões com aposentadorias e pensões. As contribuições previdenciárias desse setor equivalem a somente 11,7% dos gastos.

Já os trabalhadores urbanos contribuíram com R$ 119,7 bilhões e receberam R$ 133,2 bilhões em benefícios. Descontando o programa típico de assistência social para idosos com mais de 65 anos, que não têm condições de subsistência, o chamado Loas, que consumiu R$ 10 bilhões, a previdência urbana estaria praticamente equilibrada.

Assim, 70% do furo total da previdência, que foi de R$ 43 bilhões no ano passado, está concentrado no setor rural. O restante nas aposentadorias urbanas Loas.

O contra-senso é que o vigor e a pujança do agrobusiness em nosso país é algo incontestável: a safra de grãos saltou de 58 milhões de toneladas em 1991 para 119,9 milhões em 2006.

Nesse período também dobramos o faturamento com exportação de produtos agropecuários. Mesmo com esse desempenho espetacular, não houve aumento proporcional da arrecadação. Faltaram R$ 28,5 bilhões para fechar a conta dessa previdência.

Programas sociais como esse, que impedem a miséria do idoso e do incapaz do campo, e também daqueles idosos carentes das cidades – o Loas – têm de ser providos com dinheiro dos impostos, pois são programas com todas as características de assistência social. Não há contribuição ou ela fica aquém do necessário para o valor do benefício.

Por serem assistenciais, não se pode garantir anualmente aumentos reais acima da inflação, acompanhando o salário mínimo, a benefícios dessa natureza, o que consumiria recursos vitais para programas dos quais depende toda a sociedade.

Há anos, defendo separar, ainda que só contabilmente, o que é previdência do que é assistência, até por uma questão de educação previdenciária.

Quem contribui compulsoriamente com parte do seu salário para comprar um benefício de aposentadoria, adquire direitos. Quem não tem como contribuir, depende da caridade do Estado e da capacidade de pagamento deste.

Essa medida não vai reduzir o furo da Previdência, mas vai esclarecer à sociedade o custo de cada programa, de onde vem o dinheiro, para onde está indo e o que fazer para controlar os gastos.

É fundamental dispor de informações corretas, que os critérios contábeis e orçamentários atuais ocultam. E, nesse sentido, estimulam as soluções simplistas, em geral erradas e injustas, como cortes indiscriminados de benefícios, aumentos gerais de alíquotas das contribuições, criação de novos tributos, etc.

Por fim, os dados corretos ajudam a avaliar o uso social dos impostos. Se há equilíbrio, por exemplo, entre o tratamento que o governo dá aos idosos carentes e à educação da juventude pobre.

Renato Follador é consultor especialista em previdência social.

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