
Ouça este conteúdo
Tornar-se mãe costuma ser imaginado como um percurso natural para as mulheres. Entretanto, quando as tentativas não resultam em gravidez, a realidade imposta ultrapassa a dimensão biológica e se transforma em experiência de intenso desgaste psicológico, com potencial para comprometer qualidade de vida, vínculos afetivos e desempenho profissional.
As repercussões emocionais nas mulheres que não conseguem ser mães, são amplas e complexas. O corpo, antes percebido como fonte de vida, passa a ser questionado como limite; o tempo, outrora aliado, transforma-se em lembrete do que não se concretizou. Essa vivência, repetida em meio a consultas, exames e medicações, acumula um fardo que raramente encontra espaço de validação. Pesquisas em saúde mental indicam que mulheres em tratamento para infertilidade apresentam níveis de ansiedade e depressão semelhantes aos de pacientes com doenças crônicas, dados que evidenciam a profundidade desse impacto.
Esse sofrimento não é apenas individual. A relação conjugal costuma ser tensionada por sentimentos de culpa, cobranças e formas distintas de lidar com a espera. No convívio social, comentários sobre filhos ou convites para eventos que giram em torno da maternidade funcionam como gatilhos que reforçam a sensação de inadequação, levando muitas mulheres a se afastarem e intensificando o isolamento.
Nesse cenário, a família ocupa papel decisivo. Quando oferece acolhimento, atua como rede protetiva e sustenta a esperança em meio às incertezas das mulheres que sonham em ser mães. Quando impõe comparações e conselhos simplistas como o “é só relaxar”, agrava o sofrimento e cristaliza a infertilidade como estigma. O silêncio que se segue, muitas vezes, não é escolha: é defesa.
Reconhecer a infertilidade como condição de impacto integral é um passo indispensável. Isso implica respostas multidimensionais, que vão além do cuidado médico e envolvem suporte psicológico especializado, inclusão da família em processos de psicoeducação e políticas públicas que ampliem o acesso a tratamentos e acompanhamento emocional. Mais do que nunca, é preciso compreender que a infertilidade não é uma falha, mas uma condição de saúde que exige empatia e suporte coletivo.
Nem sempre é possível controlar o desfecho, mas é possível reduzir danos. Informações de qualidade e redes de apoio que validam, em vez de minimizar, aliviam o peso da espera e preservam a saúde mental das mulheres que desejam ser mães. Em uma jornada marcada por incertezas, tais ações não eliminam o desejo de ser mãe, mas asseguram que ele seja vivido sem a sobrecarga de um silêncio imposto.
Thalyta Laguna, psicóloga perinatal e pesquisadora na área de saúde reprodutiva, é autora do livro “Muito além do positivo”.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



