• Carregando...

Em política – como em quase tudo na vida – o ponto final não vale. No máximo serve para mudar o parágrafo. Ou integrar-se às reticências.

O Furacão Francenildo, Nildo para os íntimos (caseiro da República de Ribeirão Preto em Brasília), acabou com os Sonhos das Noites de Verão da equipe palaciana. Até a última terça-feira, com a definição do candidato tucano, parecia que o presidente Lula e seus conselheiros haviam conseguido superar a tormenta começada em maio passado e já se preparavam para degustar em outubro um saboroso suflê de chuchu à la Alckmin.

A desvairada e destemperada ação do senador Tião Viana (PT-Acre) para impedir o depoimento do caseiro na CPI dos Bingos vai entrar para a história política do país. Não apenas porque constitui a maior afronta do Judiciário ao Legislativo, mas porque este inédito confronto institucional foi provocado por um parlamentar que é também o 1.º vice-presidente do Senado e por determinação pessoal do chefe do Executivo.

O Brasil acaba de atualizar o velho modelo da república mandona, manda-brasa, absolutista. Ao justificar a decisão de acolher o incrível mandado de segurança impetrado pelo senador Tião Viana, o ministro César Peluso, do STF, pressentiu os holofotes e sentenciou teatralmente: "No dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo". Esqueceu que o mesmo mote poderia ser glosado de muitas maneiras, inclusive esta: "No dia em que os juízes perderem o juízo nenhum cidadão conseguirá pegar no sono." Pior do que pandemia aviária é a endemia autocrática.

Se o mandado de segurança pretendesse apenas manter secreta a sessão da CPI, a esta altura o ministro Palocci não estaria exposto de forma tão embaraçosa, inclusive no plano pessoal. Sua afamada credibilidade poderia manter-se por mais algum tempo não fosse este abusivo cala-boca referendado pela suprema corte.

No momento em que o presidente Lula entregou-se pessoalmente à tentação autoritária decretou o início do desmonte do mito Palocci e corre o perigo de, junto, desmontar a própria mitologia que o envolve. O ministro da Fazenda pode manter-se no cargo, pode continuar na coordenação da campanha da reeleição, mas perdeu seu principal trunfo. Confiabilidade é como nuvem, dissipa-se em minutos.

A partir de agora, o prudente e sereno Palocci passou a ser suspeito de tudo aquilo que negou com tanta candidez ao longo dos últimos dez meses. Ocorre que Palocci não é uma ilha, ao contrário, é a ponta visível de um imenso iceberg até agora envolto pelo respeito, inclusive da oposição.

O mensalão & afins voltaram com toda a força, com ou sem cassações na Câmara, com ou sem sondagens eleitorais favoráveis, com ou sem o bom-mocismo do candidato do PSDB mais preocupado em agradar ao adversário do que se afirmar perante o eleitorado.

A dinâmica do escândalo foi novamente acionada e, novamente, por inabilidade do governo. Ao contrário do que aconteceu em maio passado, temos agora agravantes que não podem ser minimizados nem considerados em separado.

A intervenção branca no estado do Rio de Janeiro não foi obra do Comando Militar do Leste, foi decisão do comandante-em-chefe das Forças Armadas, Luiz Inácio Lula da Silva.

À ocupação militar das favelas (saudada pela maioria dos cariocas), segue-se um tremendo qüiproquó que coloca sob suspeição as ingênuas versões do Exército sobre a recuperação das armas roubadas de um de seus quartéis. Tudo isto acontece no quintal da família Garotinho, cujo capo é candidato assumido de uma das alas do PMDB, partido que, de repente, pode ter uma recaída de rebeldia ou acesso tardio de galhardia.

Em Londres, desfilando no coche ao lado da rainha, Lula parecia imbatível. O desfecho do ano estava traçado. Menos de uma quinzena depois, o presidente Lula está instalado novamente no território dos gestos impensados, acionando alavancas erradas e apelando aos brasileiros para gostar do país. Voltamos ao ponto de interrogação.

***

"Quero que as pessoas aprendam a gostar desse país e do povo brasileiro, não precisa gostar do presidente ou do ministro da Fazenda. Se o Brasil estiver bem, todo mundo vai estar bem", afirmou o presidente em visita às obras do porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]