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Como explicar que uma multidão saia de casa para marchar por uma causa que não é sua e, ao mesmo tempo, se sinta confortável com uma corja de parasitas metendo a mão no seu bolso sem qualquer cerimônia?

Segundo os organizadores, 4 milhões de pessoas participaram da Parada Gay em São Paulo neste ano. Isso corresponderia a um quarto da população da cidade, o que parece algo exagerado, mas, se não foram quatro, terão sido um e meio, dois milhões, a grande maioria dos quais não era gay, incluindo-se na categoria dos simpatizantes ou curiosos. Dois mil manifestantes marcharam em São Paulo contra a corrupção, contra o assalto descarado ao meu, ao seu e ao nosso sofrido dinheiro, praticado por tipos risonhos, satisfeitos com a vida e despreocupados com as consequências, pois sabem que essas dificilmente virão se puderem contar com advogados espertos, a lentidão da Justiça e a falta de memória dos lesados.

155 milhões de votos escolheram o vencedor do último Big Brother Brasil, aquele programa que desmente a suposição de que Deus inventou o homem porque estava insatisfeito com o macaco. Mesmo sem se acreditar piamente nos números, o que reconheço é difícil, milhões de telespectadores se dão ao luxo de pagar para opinar sobre quem merece ganhar um prêmio milionário naquela olimpíada de baixarias anualmente repetida. Mas só duas mil pessoas marcharam no Rio contra a corrupção, que retira bilhões do bolso de todo mundo.

O descaso, a apatia em relação ao assalto praticado contra cada um de nós é constrangedor e levou um jornalista de um jornal espanhol a manifestar sua perplexidade e ironia a respeito. Como explicar que uma multidão saia de casa para marchar por uma causa que não é diretamente sua e, ao mesmo tempo, se sinta confortável com uma corja de parasitas metendo a mão no seu bolso sem qualquer cerimônia? Como explicar que milhões de pessoas saiam de seus cuidados para ligar para um número pago para opinar qual dos meninos sarados ou das meninas bronzeadas e prontas para posar no Playboy deve levar a bolada para casa e, ao mesmo tempo, não mande um e-mail para o deputado em que votou manifestando sua indignação com a ladroeira?

As raízes da formação da nação e do Estado brasileiro ajudam a entender um pedaço do problema: no Brasil – ensinava Guerreiro Ramos – o Estado chegou antes da nação, a burocracia chegou antes da cidadania. Pior ainda: ao longo de nossa história, o povo foi o grande ausente na vida política, manipulado pelo voto de cabresto, dominado pelo poder de sedução dos pequenos favores prestados pelos profissionais da política ou pela truculência dos coronéis de interior. O povo brasileiro, excluído da vida cívica, foi cuidar de sua vida, ganhar penosamente a existência e utilizar suas noites e fins de semana para empatizar com os personagens de novela, torcer pelo seu clube e pagar o crediário das Casas Bahia, símbolo da felicidade total, segundo os inesquecíveis Mamonas Assassinas.

É nessas situações que o poder das instituições se afirma e aí, infelizmente, também estamos no prejuízo. Já que a população não se manifesta, a imprensa tem se manifestado, o que é ótimo, mas não é o bastante. É papel do Judiciário e do Ministério Público se manifestarem também e rapidamente. E nesse campo, apesar dos avanços inegáveis avanços dos últimos anos, a lentidão da Justiça e a complexidade bizantina dos códigos reforçam a certeza da impunidade. Quando vejo que algum juiz decidiu liminarmente algo, já fico esperando a cassação da liminar, a sua restauração e sua nova cassação num minueto deprimente. E quando vejo a Urbs não dar a menor bola para uma decisão judicial e continuar multando veículos quando um tribunal a proíbe de fazê-lo, não entendo mais nada. Ou entendo mais do que deveria entender.

Alguém acha que a quadrilha do mensalão será condenada? Acho que não será nem sequer julgada, quanto mais condenada.

E ainda querem "controlar socialmente a mídia" e implantar o voto em lista, para afastar definitivamente a população da vida política e dos espertos que a conduzem...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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