• Carregando...

A energia está para as ciências naturais assim como o poder está para as ciências sociais. Essa constatação de Bertrand Russel denota, entre outras coisas, a estreita relação entre o domínio do ciclo da energia (da produção ao consumo) e a afirmação soberana de um povo no cenário internacional. A dependência energética é inimiga da autodeterminação.

A ruptura dos contratos, com a ocupação militar dos campos de extração e industrialização de gás na Bolívia, pondo em perigo a base industrial brasileira, fez saltar aos olhos algumas obviedades: os bolivianos, donos do gás, sentem a presença da Petrobrás como uma invasão humilhante; o governo do Brasil confundiu afinidade ocasional com os interesses nacionais (tanto bolivianos quanto brasileiros) de longo prazo.

As discussões atinentes ao caso soaram como um retorno à análise passional-econômica de Eduardo Galeano no livro As Veias Abertas da América Latina, que fez uma geração enfurecer-se com as metrópoles que subtraíram ouro, diamantes e reduziram uma montanha de prata na Bolívia a um platô. Essa idéia pueril de vampirização se destinava a explicar a pobreza das ex-colônias. Como será que os ibéricos, que levaram as montanhas de minérios nobres, explicavam a sua pobreza? A irracionalidade das ideologias oculta o verdadeiro problema: a posse de bens naturais preciosos não se traduz em riqueza. O cultivo dos bens intelectuais, a cultura, é que propicia ir além do extrativismo, alcançando-se a industriosidade geradora da riqueza.

Por carência de conhecimento e habilidade não somos suficientes e eficientes em energia, apesar dos imensos recursos do nosso território. Para vencer o déficit de energia – que fragiliza a soberania e o desenvolvimento – a nucleoeletricidade, ápice de ciência e tecnologia, é apontada como uma das alternativas, visto que não acentua o aquecimento global e não ocupa espaços agrícolas como os biocombustíveis. É nesse contexto que se apresenta a proposta de emenda à Constituição Federal 122/2007 que visa a conceder à iniciativa particular a exploração da nucleoeletricidade. A proposta tem o mérito de acender o debate sobre um tema que não pode ser objeto de decisão açodada, porque implica em fruir os benefícios e lançar os custos para os pósteros.

É inquestionável a necessidade de dominar completamente a energia dos átomos. Os nossos cientistas devem ser incentivados a conhecer toda a matéria infinitamente pequena e a engenharia brasileira deve ter habilidade para fabricar reatores para navios, submarinos, equipamentos médicos radioativos e produção de energia elétrica em situações excepcionais. Porém essa autonomia diante de outros Estados não significa que devamos construir dezenas de usinas nucleares para a produção civil de eletricidade e, muito menos, fazê-lo por meio da iniciativa privada.

O tempo da nucleoeletricidade é muito diferente do tempo empresarial: dez anos para construir uma usina que deixará resíduos perigosos por mais 20 mil anos. Que empresa assumirá responsabilidade por tanto tempo? Como se pode garantir o funcionamento seguro das usinas em período de crises sociais agudas? Como separar com segurança, ao longo de tanto tempo, o uso civil, o militar e o pirata, dessas usinas?

Na construção dos sistemas hidrelétricos não é necessário levar em consideração escala geológica de tempo, pois eles não criam situações irreversíveis. Se uma represa for rompida por um terremoto, não haverá danos perenes para toda a humanidade. Um lago não será usado como meio de produção de armamento letal.

O uso da hidreletricidade pode assegurar a situação ambiental que nos distinga positivamente no futuro. Embora não estejamos imunes à radiação produzida pelos outros, criaríamos um espaço de menor periculosidade, onde as condições ambientais poderiam estar mais adequadas à vida com boa qualidade.

Por outro lado, deve-se alcançar a máxima eficiência energética, com a oferta de transporte coletivo movido a eletricidade (de origem hídrica, eólica ou solar) e a redução do consumo de energia das máquinas que dão os confortos da modernidade, para que a nucleoeletricidade seja dispensável.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]