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Mais uma vez há a tentativa de aprovar uma lei que veda aos pais o uso de qualquer tipo de castigo corporal na educação dos filhos. Reacendem-se polêmicas sobre a questão: 1) não deve haver regulação da intimidade do lar pelo Estado; 2) a maioria absoluta dos brasileiros apanhou e é, portanto, favorável à "palmada pedagógica" e 3) há diferenças entre palmada e surra. O primeiro argumento é frágil e enganoso; basta lembrar que havia pouco tempo a palmatória era permitida nas escolas, as mulheres também apanhavam dos cônjuges na privacidade do lar e mesmo maus-tratos absurdos contra crianças foram sistematicamente negados até a metade do século 20.

Até hoje muitos profissionais recitam bobagens, tais como: "Pais precisam ter pulso firme", "não bata, mas dê uma sacudida quando seu filho não obedece", "crianças sem palmadas crescem sem limites", "às vezes as crianças pedem um tapa" etc. O segundo argumento é grotesco, pois as pessoas também soltavam balões em festas juninas, viajavam em carros sem cinto de segurança e recitavam preconceitos raciais com facilidade e, hoje, isso não é mais permitido.

A expressão "palmada pedagógica" é um oximoro: palavras contraditórias que se excluem mutuamente de um ponto de vista puramente lógico. Alguns argumentam que há gestos de desprezo e palavras que machucam muito mais. É verdade. A violência psicológica, a educação pela culpa, o suborno, a chantagem emocional e as expectativas desmedidas sobre os filhos são muito danosas. Isso não justifica o uso da palmada, apenas revela que, em matéria de socialização dos filhos, os pais devem ser humildes e perceber que ainda têm muito a aprender.

O terceiro argumento cai por terra quando a ciência mostra que a surra não tem uma natureza diferente da palmada, é apenas um continuum, ou seja, elas têm o mesmo objetivo: causar dor a quem se exige obediência. Seria o mesmo que dizer que furtar é crime, mas furtar menos de R$ 10 não é!

O uso de punições corporais é milenar, suposta e erroneamente respaldado pelo tempo e até por algumas religiões que justificam o castigo corporal pelo argumento da corrupção moral da infância: a criança vista como uma criatura má, um miniadulto imperfeito que só quer desobedecer, provocar os pais e sair correndo para colocar o dedo nas tomadas (argumento recorrente para a palmada...). Se uma criança faz a famosa birra, é hostil e desobedece sistematicamente, sinto muito dizer, mas os cuidadores são os responsáveis. Uma pesquisa nossa, recém finalizada, revela que apenas 26% dos universitários nunca receberam tapas em sua infância; 43% daqueles que receberam, foram disciplinados inclusive com raquete, escova de cabelo e cinta; não há diferença entre famílias cujos pais têm escolaridade alta e baixa.

É evidente que não é somente uma lei que mudará o comportamento das pessoas. São fundamentais estratégias de conscientização, orientação e apoio à família como um todo. Todo tipo de punição física é injustificável, tanto do ponto de vista moral, social, humano, quanto psicológico e científico. Existem diversas sanções para quem agride outros (até animais), então, por que na relação familiar permite-se, tolera-se e até incentiva-se que pais batam nos filhos?

O que os pais realmente ensinam quando dão palmadas é a falta de controle e a aceitabilidade do uso da força e do poder para resolver problemas, perpetuando esse absurdo ao longo das gerações. Crianças e adolescentes aprendem a associação entre amor e dor e podem passar a entender que quem ama tem o direito de machucar.

Estudos ressaltam que a palmada não traz nenhum benefício, ao contrário, é um comportamento de risco, podendo trazer vários prejuízos ao desenvolvimento futuro. Se nenhum desses argumentos científicos convence, então aqui vai mais um: apesar de ter um efeito imediato (a criança para de fazer o que estava fazendo e, com isso, reforça o comportamento de bater dos pais), a palmada não funciona a longo prazo! Inúmeras pesquisas mostram que essa tal palmada não serve para modificar comportamento! Ela é, portanto, somente um recurso covarde que mostra o despreparo dos pais no uso de práticas educativas mais eficazes.

Educar não é sinônimo de punir. Educar uma criança é muito mais complexo do que somente exigir obediência e temor. Filhos devem ser criados para saber enfrentar o mundo e precisam de modelos morais, valores éticos, regras consistentes com consequências e muito envolvimento e participação dos pais. Não está na hora de um novo olhar? Se não for agora, quando? Se não for você, quem será?

Lidia Weber, pós-doutora em Desenvolvimento Familiar, é coordenadora do Núcleo de Análise do Comportamento da UFPR e autora do livro Eduque com Carinho: equilíbrio entre amor e limites (Juruá)

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