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Recentemente fui convidado para dar uma palestra num colégio de uma capital brasileira, muito bem conceituado no Enem.

Ao conversar com o diretor detectei uma adversidade, que me atingiu como um raio! A "descarga elétrica" ocorreu quando perguntei qual era, no momento, a grande angústia do corpo diretivo. A resposta foi: "A continuidade do colégio! Os fundadores antigos não querem mais nada, e os proprietários mais jovens só se preocupam com o carro do ano. Não sei para quem passar o ‘timão’".

Confesso que não podia esperar uma resposta mais triste! Um colégio de longa história educativa estava agonizando. Na hora pensei: qual vai ser o futuro dos 3.500 alunos que via pela janela brincando felizes nas quadras esportivas de primeiro mundo? Quem vai formá-los se uma grande maioria de pais também está "jogando a toalha", ou terceirizou faz tempo esta missão de educar, porque se considera incapaz ou alega falta de tempo?

Quando meus pais me puseram na escola, família e escola eram parceiros. Havia um projeto educativo personalizado, de cuja construção e realização participavam professores, tutores, coordenadores, pais e alunos. Havia valores, virtudes, ideais de vida, vibrações com as conquistas de melhora. Quando iniciei minha vida profissional como educador e professor, nos anos 80, família e escola ainda eram parceiros, mas já não se percebia o mesmo interesse dos pais em participar ativamente da escola. Os filhos já não eram o principal negócio de suas vidas. O importante na altura era conquistar certas "liberdades" para dedicar-se a outros negócios. Os professores, oriundos ainda de uma sólida formação e de ideais transcendentes, aceitavam essa ausência dos pais, uns com autêntico sentido vocacional, outros com resignação.

O que podemos contemplar atualmente em quase todas as instituições de ensino brasileiras é que a família deixou de ser parceira da escola, passando a encará-la como mais uma prestadora de serviços educacionais. Muitos pais veem no centro educativo apenas um lugar onde seu filho deve aprender uma série de conteúdos da forma mais lúdica possível e sem esforço, e esquecem que a escola deve ser muito mais do que isso. E a escola, ao querer adaptar-se à clientela para sobreviver financeiramente, acaba cedendo às leis do mercado. É a morte da "alma da escola"!

Como vemos, a relação família-escola vem descendo a ladeira já faz muito tempo e não sabemos ainda qual será o próximo estágio neste casamento conturbado. Mas ao analisar este processo histórico, é possível identificar algumas das causas responsáveis pela destruição educativa. Caso consigamos eliminá-las, poderemos sonhar com a "ressurreição" da "alma" da escola e recuperar o seu papel social.

O primeiro fator determinante foi o enfraquecimento do amor dos educadores. Quando pais iniciam esse processo de troca de formação dos filhos por dinheiro/prestígio, a própria missão de educar se deteriora. Educar é amar. Uma pessoa que ama está educando o dia todo porque quer o melhor para os seus. Conforme definia Aristóteles, amar é querer o bem do outro pelo outro. Quando o amor se debilita, enfraquece-se a vontade de educar, e passa-se a pagar para que outros "amem" — estes outros podem ser professores, brinquedos de todos os tipos etc — na ilusão de que isso é possível.

Outro fator que contribuiu fortemente para esse processo de definhamento foi a influência de filosofias relativistas. A partir do momento em que reina o atrofiamento da verdade, penetrando em muitas famílias e escolas de forma avassaladora, o indiferentismo e permissivismo éticos dão espaço para atacar sistematicamente os valores e virtudes, vistos como formas de autoritarismo e intolerância. Um último fator que sobressai como determinante para este enfraquecimento da relação família-escola é o domínio da cultura materialista. Pais, professores e alunos vivem pressionados por uma sociedade consumista que põe em tela de juízo o passado e não deixa pensar no futuro. As pessoas não têm mais tempo para refletir na vida. Querem viver o presente com voracidade, com o único afã de realizar o imediato.

Uma cultura assim favoreceu claramente a desistência de famílias e escolas da tarefa formativa. Se queremos fortalecer os laços família-escola, é preciso resgatar valores como o verdadeiro conceito do amor; a crença em que é possível alcançar a verdade do ponto de vista racional; e que a afetividade feliz é aquela que passa por essa racionalidade e pelo compromisso do amor.

João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ. E-mail: malheiro.com@gmail.com

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