O trágico advento do coronavírus expôs uma outra chaga social gravíssima: a incapacidade de diálogo e entendimento político sobre questões fundamentais. Quando esperávamos a grandeza dos homens públicos para superar diferenças pessoais em nome do bem do Brasil, vemos a vaidade, a pequenez e a incompetência se agigantarem nas instituições da República. Triste, para não dizer patético.
A atual dicotomia entre vida e economia é por demais sintomática; revela o desprestígio da razão pensante e o triunfo da estupidez sobre a lógica da consciência. Como se não houvesse uma simbiose necessária, os defensores econômicos defenestram os soldados da saúde, polarizando radicalmente valores inseparáveis. No fel da irracionalidade, há, não raro, o apelo a uma mídia maquiavélica, descomprometida com a independência e imparcialidade da opinião pública democrática. Ou seja, apenas mais do mesmo, sob outra roupagem.
Sim, a imprensa não é perfeita; nunca foi nem jamais será. Erra e acerta, como toda atividade humana. Todavia, estará sempre ali à disposição do poder, pois a política é habitualmente notícia relevante. Agora, ao invés de simplesmente agredir, por que não enfrentar eventuais distorções de fato ou análises jornalísticas imprecisas com altura, retidão e verticalidade? Aliás, não será esse um dos deveres da liderança pública responsável? Ou o estímulo à confrontação exacerbada nos levará às soluções que tanto precisamos neste momento de extrema dificuldade?
Em páginas políticas inapagáveis, a inteligência superior de Christopher Lasch bem expôs que a democracia requer um vigoroso debate público e, não, apenas informação. Aliás, a boa informação coletiva é uma consequência do debate político vertical, fazendo da democracia um instrumento de elevação da pedagogia social, a partir de ideias sérias, dados factíveis e retóricas persuasivas.
Ora, um mundo de “fake news” não deixa de ser o império de falsos líderes que precisam da enganação popular ou da propagação do medo como forma de preservação do poder. Acontece que a dinâmica da sociedade em redes rompe com os velhos e aturados modelos de liderança passadas. Ao invés de distanciamento hierárquico, as pessoas querem proximidade participativa; ao invés de discursos eruditos, há uma demanda por palavras que toquem o chão da vida; e, ao invés de atritos desmedidos, a crise atual é uma grande oportunidade de nos unirmos como nação para, juntos, construirmos pontes que nos façam maiores.
Ao se despedir do Senado, em discurso monumental, a sabedoria invulgar de Paulo Brossard fez questão de acentuar “que não é possível continuar dividindo o Brasil entre afortunados e os malvistos e os malquistos, e especialmente, partindo do fato de que estamos nós em uma situação de tamanha delicadeza, que é preciso conjugar esforços, e esforços que haverão de hercúleos para que este país continue a ser uma terra de liberdade e de tolerância recíproca”.
As palavras acima ainda ecoam na alta casa legislativa. Mas o que vale o som da razão perante o orgulho que se nega a ouvir?
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
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