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Os Legislativos estaduais e municipais do Brasil inteiro procederam às aprovações dos planos estaduais e municipais de educação, e o item mais debatido, sem dúvida, é a questão de gênero, debate que vem sendo vetado em tais planos.

Com um forte lobby de setores religiosos, vem ocorrendo a retirada dos itens que dizem respeito à diversidade dos planos, especialmente à diversidade que se refere aos “excluídos” como negros, indígenas, quilombolas, camponeses e, em especial, os militantes da questão de gênero: homossexuais, transexuais, travestis.

Inicialmente, é importante resgatar de onde vem a tal “diversidade”. No interior do Ministério da Educação há a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que assume as demandas dos sujeitos já citados, a partir da pressão das organizações dos mesmos. Essa secretaria, em articulação com os sistemas de ensino, implementa políticas educacionais para o setor, o que foi feito no Plano Nacional de Educação, com uma série de metas correspondentes às necessidades dos sujeitos da diversidade.

Ocorre que nos municípios, e em especial no estado do Paraná, por meio de emendas aos projetos discutidos com a população, os Legislativos estão retirando as metas que dizem respeito aos sujeitos da diversidade. As justificativas, via de regra, são um posicionamento contrário à ideologia de gênero, como a afirmação da relatora do projeto do Plano Estadual de Educação do Paraná, deputada Claudia Pereira (PSC), veiculada nas redes sociais: “Como relatora do Plano Estadual de Educação, retirei ainda na CCJ a ideologia de gênero do projeto”. Grosso modo, pode-se dizer que ideologia de gênero é uma premissa de que as pessoas não nascem homem ou mulher, mas constroem sua própria identidade, isto é, seu gênero, social, psíquica e culturalmente em sua vida.

Os sistemas educacionais mais uma vez tornam invisíveis os sujeitos já excluídos socialmente

De saída, é necessário dizer que as emendas, tanto no plano estadual quanto em vários municípios, atingiram os sujeitos da diversidade em geral; não só o debate de gênero é prejudicado, como também os debates sobre os sujeitos do campo, negros e, em alguns casos, até os deficientes físicos e analfabetos!

Mas o essencial é que tal ação é extremamente equivocada, e listo aqui alguns motivos. Inicialmente, as indicações do Plano Nacional de Educação sobre a diversidade visam a fortalecer ações educativas para enriquecer a prática de ensino junto aos sujeitos mais excluídos socialmente e, por consequência, na escola não é uma defesa da chamada ideologia de gênero, e sim uma ação defensiva de combate ao preconceito.

Com essa retirada, os sistemas educacionais mais uma vez tornam invisíveis os sujeitos já excluídos socialmente. Assume-se, institucionalmente, uma postura preconceituosa, que quer colocar sob o tapete sujeitos de carne e osso: camponeses, negros, gays, lésbicas, travestis, transexuais. Querem excluí-los do debate, fazer de conta que eles não existem, segregá-los como uma “praga” que pode contaminar a moral e os bons costumes da sociedade pura e imaculada. Essa ação é danosa para qualquer sistema que queira fazer uma educação plena, para todos, livre e realmente humana.

Há ainda um fato mais grave do ponto de vista legal. O debate sobre a diversidade encontra-se aprovado na Lei 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação e, segundo as determinações do pacto federativo entre os entes federados, a legislação de instância inferior deve respeitar as legislações superiores. Assim, para todos aqueles que estou nomeando aqui de sujeitos da diversidade, em casos de vitória do preconceito, há a possibilidade de embate jurídico sobre a temática. E há uma premissa legal que sustenta tal embate: o Plano Nacional de Educação, devidamente aprovado e tornado lei no âmbito federal. Assim, à sociedade civil cabe acompanhar a sanção do Executivo aos planos aprovados e o acompanhamento jurídico da questão.

Mas por que a radicalização na defesa de tais sujeitos da diversidade? Já afirmei que, quanto à questão de gênero, a tese crucial é o combate ao preconceito. Silenciar após a retirada de expressões como “gênero”, “orientação sexual” e “identidade de gênero” não contribui com a questão; ao contrário, esse silenciamento pode gerar ainda mais preconceito. E ainda, como fora destacado, as emendas também atingem outros sujeitos da diversidade, como os camponeses, retirando o debate da especificidade da educação do campo; ou, ainda, os negros e os espaços educativos quilombolas, bem como os indígenas, enfim, sujeitos que, ao não receber atendimento especializado ou preferencial, estão fadados a reeditar uma história de abandono, preconceito e marginalização.

Por fim, vale ressaltar que a grande mobilização contra a chamada ideologia de gênero, que tem uma série de efeitos colaterais, é oriunda de movimentos e instituições religiosas, em defesa de valores pregados em sua doutrina. Pois bem, não cabe aqui a avaliação de tais valores ou sua aceitabilidade social, mas sim uma observação. Constitucionalmente, o Estado e a educação oriunda dele são laicos. Isso, sim, é uma premissa orientadora.

Finalizo retomando o essencial do debate: a sociedade brasileira precisa lutar contra uma de suas chagas mais evidentes: os preconceitos. Fazer valer a Constituição, que afirma que todos somos iguais. Independentemente de cor, credo, orientação sexual, se mora no campo ou na cidade, se é rico ou pobre. E isso é uma obrigação histórica: hoje repudiamos a escravidão, mas ações como essa, de excluir dos sistemas educacionais, não estão longe das práticas legais de escravidão e são próximas da condenação e linchamento dos homossexuais e outras anomalias baseadas no preconceito.

Fernando José Martins, pedagogo, mestre e doutor em Educação, é professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), câmpus de Foz do Iguaçu.
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