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Expedição Safra / 2014 – 2015 – Colheita de soja na região de Guarai no Tocantins .
Commodities em alta aquecem mercado de trabalho no agronegócio.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

Nos últimos 25 anos, o Brasil se consolidou como terceiro maior exportador agrícola do mundo, campeão em soja, carne, café e suco de laranja, com o minério de ferro mais puro. No ano passado, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 100,8 bilhões. Só que o desempenho total tem caído: soja, petróleo e minério de ferro representam metade do que exportamos e a balança comercial do país recuou 6,1% no ano passado.

Pelo segundo ano consecutivo, os produtos básicos superaram os industrializados no total de vendas. Entre 1994 e 2019 a participação do Brasil no valor adicionado à indústria de transformação global caiu de 2,69% para 1,19%. O PIB do Brasil, que chegou a ser o oitavo do mundo, ficou em 12.º no ranking global em 2020, segundo a Austin Rating.

E pode piorar, porque estamos perdendo competitividade justamente no setor que assumiu grande relevância na economia global: tecnologia da informação. Basta dizer que, das dez maiores empresas do mundo em valor de mercado atualmente, oito são de tecnologia, uma é do setor de petróleo e uma é um grupo financeiro que também tem participação em empresas de tecnologia. Apple, Microsoft e Amazon valiam, cada uma, mais que o PIB brasileiro.

Enquanto isso,o déficit na balança comercial brasileira de serviços de TIC cresce ano a ano, de acordo com o boletim Insight Report – Panorama do Setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) 2020, que usou dados do Ministério da Economia sobre o setor, de 2014 a 2018. Em 2018, último ano disponível, o Brasil exportou US$ 2 bilhões em serviços de TI e importou US$ 2,6 bilhões, gerando um déficit de US$ 600 milhões.

O mercado global de serviços de TIC alcançou em 2018, segundo o estudo, a cifra aproximada de US$ 606 bilhões. Desse montante, a Irlanda liderou a participação em exportações, com 17% do mercado, seguida pela Índia, com 10%, e China, com 8%. Dos serviços considerados no estudo, 78% corresponderam a serviços de computação, 16% de telecomunicações e 6% de informação. A América do Sul, como um todo, respondeu por menos de 1% das exportações globais de serviços de TIC e o Brasil, por 43% da fatia da região, ou seja, 0,4% do total.

Em uma prova de que não faz sentido o Brasil depender tão pesadamente das commodities, que costumam apresentar sazonalidades e têm preço volátil, a empresa argentina de e-commerce Mercado Livre chegou a ultrapassar as gigantes tradicionais brasileiras Vale e Petrobras e a se tornar a maior empresa em valor de mercado da América Latina por alguns meses no ano passado. A nova economia se baseia cada vez mais no mundo digital e o Brasil precisa recuperar o tempo perdido.

Para desenvolver produtos e serviços digitais exportáveis, as empresas brasileiras precisam ter acesso a mão de obra qualificada. Como se não bastasse o gap entre novas vagas para tecnologia e profissionais se graduando, o cenário cambial atual tem favorecido uma “fuga de cérebros” do Brasil.

Estamos em uma sinuca de bico. Às nossas empresas de tecnologia faltam mindset de internacionalização e capacidade financeira para reter os melhores talentos, pois as remunerações oferecidas em países ricos são significativamente maiores. Consequentemente, ficamos sem gás para acompanhar a concorrência internacional, que tem conseguido se consolidar e ampliar ainda mais este gap. Não há outro caminho. Precisamos formar talentos em quantidade e qualidade suficiente para sairmos desta conjuntura, o que exige tempo e investir em educação.

O termo “economia do conhecimento”, popularizado por Peter Drucker no livro A Era da Descontinuidade, de 1969, vislumbrava a transição da sociedade industrial para a era da tecnologia da informação. Hoje, já é uma realidade e representa o atual estágio de desenvolvimento da economia global. Quem não tem conhecimento e tecnologia perde o bonde da história.

Relatório da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), publicado em março do ano passado, estimava um déficit anual de 24 mil formandos em Tecnologia da Informação. De acordo com o estudo, o país forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico por ano e a necessidade das empresas chega a 70 mil. Com a aceleração da digitalização devido à pandemia, a expectativa é de que esse déficit aumente. Conforme dados da Brasscom, de 2019 a 2024 devem ser abertas 421 mil vagas para profissionais de TI. A demanda será de 25% em Internet das Coisas, 11% em segurança, 10% em Big Data, 6% em nuvem e 2% em inteligência artificial (AI), além da demanda por profissionais administrativos (19%), de nível técnico (14%) e em outras tecnologias (13%).

É um paradoxo cruel que um país que atingiu, em fevereiro, a triste marca de 14,4 milhões de desempregados não tenha profissionais qualificados suficientes para atender a essa demanda. Com os investimentos públicos cada vez menores, diante das restrições orçamentárias para ciência e tecnologia e também para educação, é hora de as empresas de tecnologia brasileiras se mexerem e investirem na formação dos profissionais de TI do futuro se quiserem sobreviver e competir globalmente, transformando o futuro do país e a vida dos brasileiros. Com isso, o Brasil poderá colher bons resultados entre cinco e dez anos, com ganhos em competitividade para atuar no mercado externo. Depende de nós. Já passou da hora de o setor de tecnologia liderar essa transformação no país.

Afonso Celso Dutra Acauan Filho é sócio-diretor da Yaman Tecnologia, consultoria de engenharia e qualidade de software e segurança cibernética .

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