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| Foto: Sérgio Lima/AFP

O mundo descobriu recentemente o poder e o risco das fake news. Mas no Brasil somos vítimas de narrativas falsas que corrompem nossa maneira de pensar há décadas.

Para defender seus gastos, o governo corrompe a aritmética e cria a falsa narrativa da moeda com a inflação, dando-lhe valor menor do que indicado na cédula. Bastaria o PIB crescer para todos terem bons empregos e altos salários, e o Brasil chegaria ao primeiro mundo. O resultado foi o crescimento da riqueza nas mãos dos poucos ricos e a persistência da pobreza na vida da multidão de pobres.

Quando essa narrativa mostrou a cara perversa, optou-se pela falácia de que a transferência de R$ 170 em média por mês seria suficiente para tirar uma família da pobreza. Decretou-se o fim da miséria, independentemente da verdade.

Depois do “rouba, mas faz”, cairemos no “se não rouba, já é bom”

O impeachment seguiu prescrições constitucionais e as instituições continuam funcionando. O novo presidente foi escolhido vice duas vezes pela presidente impedida. Mas ainda prevalece a falsa narrativa de golpe. A mesma falácia que impedia ver os problemas já anunciados em 2011 no meu livro A economia está bem, mas não vai bem agora mostra os problemas herdados como sendo criados pelo atual governo. E esse mesmo governo, imerso na corrupção e desprezando a opinião pública, contribui para fortalecer a falsa narrativa de que ele é o culpado do desastre, mesmo quando a economia mostra recuperação.

Da mesma forma, sustenta-se a falsa narrativa de que a Lava Jato vai salvar o Brasil, esquecendo-se que juiz pode mandar prender político corrupto, mas não elege político honesto. Criou-se a narrativa da Lei da Ficha Limpa, de que a política acabou com a corrupção, mesmo deixando soltos e elegíveis políticos e juízes que constroem palácios com dinheiro roubado de escolas, saneamento, teatros, ciência.

Leia também: O julgamento e a narrativa (editorial de 22 de janeiro de 2018)

Leia também: A retórica e o impeachment (editorial de 30 de agosto de 2016)

É também falsa a narrativa de que a cassação do direito político de um corrupto a candidatar-se vai educar o eleitor, quando poderá até acomodá-lo. Todos que não forem condenados serão vistos como igualmente bons. Depois do “rouba, mas faz”, cairemos no “se não rouba, já é bom”, não importando suas prioridades e competência. O Brasil vai continuar igual se não nos educarmos como eleitores.

Quando se discutia a Lei da Ficha Limpa, defendi que o ficha-suja deveria poder ir à campanha como os cigarros vão à venda, com o aviso de que “este candidato foi condenado por corrupção e faz mal à saúde nacional”. A Justiça condenaria, mas caberia ao eleitor cassá-lo nas urnas. Não se tiraria a soberania do povo e certamente educaria melhor o eleitor. Mas não foi assim que a lei foi aprovada – com apoio dos que não aceitaram a sugestão e hoje reclamam dela.

A Lei da Ficha Limpa deu à Justiça o poder de condenar e cassar. Vamos ter de conviver com ela esperando educar o eleitor por outros meios, mas alertando que acreditar plenamente em narrativas falsas não educa.

Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
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