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Netanyahu, o eterno premiê da guerra infinita

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. (Foto: Abir Sultan/EFE/EPA/POOL)

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Desde o ataque brutal perpetrado pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023 — que matou 1.200 israelenses e resultou no sequestro de 251 civis — Israel mergulhou em uma operação militar que, sob o pretexto legítimo de defesa, transformou-se rapidamente em catástrofe humanitária.

Passados mais de 19 meses, o que se vê é um rastro de destruição em Gaza: mais de 53 mil mortos, entre eles quase 17 mil crianças, 1,9 milhão de deslocados e uma infraestrutura civil obliterada com zelo metódico. Não se trata mais de neutralizar uma organização terrorista — que segue operante — mas de subjugar, de castigar, de arrasar. A diferença entre justiça e vingança dissolveu-se no deserto, e o que sobra é ruína.

Não deixa de ser irônico — e profundamente revelador — que um dos exércitos mais sofisticados do planeta, sustentado por uma das inteligências mais reverenciadas do Ocidente, seja incapaz de localizar e resgatar os reféns que ainda permanecem em poder do Hamas. 

Dos 251 sequestrados, 108 foram libertos em uma trégua breve. Cerca de 58 continuam desaparecidos, e pelo menos 30 já morreram. A retórica oficial diz que Israel não descansará até resgatar todos. 

A prática, no entanto, revela que essa não é a prioridade real. Se fosse, a operação militar teria objetivos mais claros, prazos definidos e vontade concreta de negociar. O que existe, em vez disso, é uma guerra sem fim, operada por um governo que depende dela para continuar respirando.

Benjamin Netanyahu não lidera Israel — ele o sequestrou. Acuado por múltiplas acusações de corrupção, sustentado por uma coalizão ainda crente numa declaração de vitória, Bibi transformou a guerra em tábua de salvação pessoal. 

A perpetuação do conflito garante não apenas a sobrevivência do seu mandato, mas também a anestesia da opinião pública, a paralisia da oposição e o avanço de sua agenda corrupta: o esvaziamento de instituições democráticas

O Hamas, paradoxalmente, tornou-se seu antagonista ideal: bárbaro o suficiente para justificar qualquer atrocidade, útil o suficiente para manter viva a narrativa da ameaça eterna.

A deterioração do apoio internacional começa a produzir rachaduras. E não entre progressistas humanitários da Escandinávia, mas no coração do principal aliado de Israel: os Estados Unidos. 

Donald Trump, ícone da direita americana, e o secretário de Estado Marco Rubio já demonstraram desconforto e manifestaram descontentamento com a aparente falta de empenho do governo israelense em pôr fim à guerra.

Trump chegou a propor que os EUA assumissem o controle de Gaza após o conflito — ideia que Netanyahu, sem nenhum pudor, classificou como "digna de atenção". A mensagem é clara: ele aceitará qualquer arranjo que o mantenha no cargo, mesmo que isso implique em terceirizar a soberania de seu próprio Estado.

Observar esse cenário não exige tomar partido sobre o reconhecimento da Palestina, tampouco endossar relativismos morais entre Israel e Hamas. Trata-se, antes, de uma constatação óbvia e humanitária: a população palestina não é o Hamas. E Israel não é Netanyahu. 

Ao confundir uma organização terrorista com um povo inteiro, e um governo corrupto com a identidade nacional israelense, o mundo comete dois crimes simultâneos: legitima a barbárie como método e permite que políticos medíocres se eternizem no poder sob o pretexto da guerra necessária.

Netanyahu não busca a vitória — busca a permanência. E para isso, precisa que o conflito nunca se resolva. Quanto mais bombas caem sobre Gaza, mais ele se fortalece em Jerusalém. Não há estratégia militar aqui, apenas cálculo político. E nesse cálculo, o sofrimento de civis — palestinos ou israelenses — é mera variável descartável. 

A verdadeira tragédia é que, enquanto o mundo se ilude com a retórica da segurança, Israel segue sendo governado não por um estadista, mas por um réu que encontrou no caos o álibi perfeito para a eternidade.

Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University- EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR).

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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