Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Paulo Filho

Paulo Filho

Oriente Médio

600 dias da guerra em Gaza: a vitória militar e o fracasso político

Além da destruição, moradores da Faixa de Gaza têm de conviver com o lixo acumulado. (Foto: Haitham Imad/EFE/EPA)

Ouça este conteúdo

Na próxima quarta-feira, dia 28 de maio, o conflito no Oriente Médio chegará ao 600º dia. Apesar da passagem do tempo, é impossível esquecer o que aconteceu naquele dia 7 de outubro de 2023.

A tremenda violência da ação terrorista do Hamas contra os cidadãos israelenses, incluídos crianças, mulheres e idosos, que vitimou cerca de 1,2 mil pessoas, além do sequestro de quase três centenas – cerca de 50 das quais permanecem até hoje nas mãos dos sequestradores – foi profundamente impactante, e as sociedades israelense e internacional, de forma praticamente unânime, apoiaram a reação do exército de Israel contra os ataques.

A ofensiva israelense sobre o território da Faixa de Gaza não surpreendeu os planejadores do Hamas. Na verdade, eles esperavam essa reação, e a violência terrorista de 7 de outubro teve justamente esse objetivo provocador. 

Eles consideravam que a conflagração de uma crise na Faixa de Gaza bloquearia a aproximação então em curso entre a Arábia Saudita e Israel – o prosseguimento dos Acordos de Abraão – ao mesmo tempo em que as imagens da guerra na Palestina serviriam de poderoso instrumento de propaganda e revigoramento da causa do grupo.

Os terroristas do Hamas não contavam, entretanto, com a intensidade da violência da reação israelense, que, 600 dias depois do ataque, já levou à morte de mais de 50 mil pessoas e transformou em terra arrasada a Faixa de Gaza. 

Eles apostavam que o exército israelense teria seu ímpeto contido pela pressão da opinião pública local e internacional; afinal, propositalmente misturados à população palestina, utilizando o subterrâneo de escolas e hospitais como abrigo, e ainda por cima escudados pelos reféns, seria muito difícil para Israel atuar militarmente contra o Hamas sem causar um elevado número de baixas civis. Isto não seria aceito nem pela opinião pública internacional, nem mesmo pela democrática sociedade israelense.

O erro de avaliação do Hamas foi subestimar Benjamim Netanyahu. O primeiro-ministro israelense enfrentava, à época dos ataques, uma grave crise política que ameaçava sua permanência no poder, além de acusações de corrupção que poderiam, inclusive, acabar por levá-lo à prisão.

Sua coligação parlamentar depende do apoio de correntes ultranacionalistas que não admitem nem mesmo a existência da Palestina, e esses setores viram na guerra uma excelente oportunidade para impor suas posições políticas. 

VEJA TAMBÉM:

Pressionado por todas as direções, Netanyahu concluiu que a única alternativa que possuía para se manter no poder era travar uma guerra definitiva contra os inimigos de Israel. Decidiu, dessa forma, partir para cima dos seus inimigos com o máximo de violência

Acontece que, se a violência desmedida e total falta de escrúpulos é esperada de um grupo terrorista como o Hamas, de um Estado, ainda mais de uma democracia como a israelense, se espera um comportamento diferente.

O modo de fazer a guerra de um exército composto por “homens de honra e de coração” – para usar uma expressão do General Osório – pressupõe a escolha de meios e de métodos de combate que causem o mínimo dano colateral às populações civis presentes no campo de batalha.

Isso significa que, por exemplo, se a inteligência israelense descobre que um objetivo militar legítimo, como determinado líder do Hamas, está no subsolo de um hospital, o comandante operacional deve escolher um meio ou um método de combate que elimine aquele alvo com o mínimo dano colateral. 

Reação israelense 

Entre a decisão de usar um míssil que destrua todo o complexo hospitalar resultando em dezenas de mortes, ou um atirador de elite que elimine somente o alvo, a escolha sempre deve recair sobre a segunda opção.

É evidente que essa não é uma decisão simples de ser tomada e as decisões militares no terreno raramente se submetem a essa lógica binária, envolvendo considerações éticas e morais complexas. 

Via de regra, a única opção disponível é a que traz consigo um elevado número de baixas colaterais. A decisão, nesse caso, fica entre eliminar o alvo ou perder a oportunidade, salvando vidas inocentes. Os 600 dias de guerra têm mostrado que o exército israelense vem optando sistematicamente pela primeira opção. Essa postura tem consequências.

O resultado é o que se vê todos os dias nos jornais, televisões e redes sociais: o enorme sofrimento da população palestina, que viu suas cidades serem arrasadas, sofre com a falta de alimentos e de água e hoje não enxerga nenhuma perspectiva de futuro. Essas imagens corroeram o apoio internacional a Israel, e também o apoio doméstico a Netanyahu.

VEJA TAMBÉM:

Pressão internacional

A opinião pública internacional clama pelo fim do sofrimento dos civis palestinos e a oposição israelense pressiona cada vez mais o governo por uma solução que priorize não a destruição do Hamas, mas sim o retorno dos reféns ainda mantidos em cativeiro.

Netanyahu, entretanto, que já tem contra ele expedido um mandado de prisão pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, parece já ter cruzado o seu Rubicão. Ele colocou como objetivo, na Faixa de Gaza, a completa destruição do Hamas. 

A despeito das pressões domésticas e internacionais, fez a escolha clausewitzniana da guerra total. Já conseguiu eliminar as principais lideranças, e provavelmente atingirá o objetivo de destruir a maior parte do grupo, em pessoal e meios.

Mas qual será o destino dos palestinos? Qual será o status político da Faixa de Gaza? A solução política para o problema não está clara. 

Trump sugeriu a retirada de toda a população palestina da região e a reconstrução da área como uma “verdadeira Riviera”, uma ideia completamente irrealista e bastante discutível do ponto de vista moral.

Algumas vozes propõem que a região seja administrada por uma força internacional até que um governo palestino legítimo, seja capaz de assumir. Outras defendem a reativação das negociações diplomáticas entre Israel e as lideranças palestinas moderadas, com intermediação internacional, para finalmente definir uma solução política duradoura.

O fato, porém, é que qualquer solução dependerá não apenas da disposição de Israel e dos palestinos em negociar, mas também da comunidade internacional em assumir responsabilidades mais ativas. 

Sem uma resposta clara e imediata, corre-se o risco de apenas criar as condições para o próximo conflito, perpetuando assim o sofrimento e a instabilidade em uma região que já testemunhou dor em excesso.

VEJA TAMBÉM:

Conteúdo editado por: Aline Menezes

Use este espaço apenas para a comunicação de erros