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Vinte e cinco anos após sua queda, o Muro de Berlim segue a despertar apaixonadas análises, como só o fervor ideológico parece poder suscitar. A tomar em conta que há 50 anos 40% da humanidade vivia sob regimes marxistas, sem dúvida o episódio é divisor de águas, a igualar-se aos fatos da periodização da história que aprendemos na escola. E a questão que se põe é inelutável: de fato terminou a Idade Contemporânea, com o fim de projetos que pregavam a débâcle do capitalismo?

Mais que doutrina revolucionária, o marxismo representou avassalador marco teórico, da moral à estética, da economia às artes e às ciências humanas. Despertando devoção dogmática como nas religiões, o engajamento ideológico galvanizou nações e continentes, a despertar fanatismo por igual repressivo da contrarrevolução, em dialética tão simplista quanto devastadora.

Depois da Guerra Fria, de milhões de mortos, boat peoples, prófugos e expurgados, as economias planificadas foram paulatinamente se exaurindo, nos fracassos reiterados do socialismo e de seus matizes. A par disso, a inclusão fordista do proletariado como peça do universo consumidor, a regulação laboral com a valorização e dignificação do trabalho indicavam novo espaço de possível convívio simbiótico entre capital e trabalho. Da Guerra Fria, ficou a constatação de que ela foi travada com particular crueldade em meio às populações mais pobres do mundo, por certo pelo fato de representarem esperanças e medos de ambos os lados.

Enquanto a perestroika de Gorbachov prosperava e a Europa oriental se despia da Cortina de Ferro, a China incorporava práticas capitalistas, já sob os ventos insinuantes da globalização. Por seu turno, a Organização Mundial do Comércio se constituía e se consolidava, com o beneplácito de Pequim e de Moscou. Sem demoras, no contexto de revisionismo total da velha ortodoxia, as propostas conciliadoras do eurocomunismo de Carillo e de Berlinguer, da social-democracia como terceira via, reconheciam os crimes do stalinismo e o fracasso do modelo soviético. Estava pronto o pano de fundo para a erosão dos alicerces ideológicos que sustentavam a separação de Berlim pelo muro da vergonha, como vaticinou Churchill. Era a continuação do ciclo de liberdades anunciadas, em ambas as direções, no mesmo roteiro da conquista dos direitos civis, da proscrição das ditaduras e da derrubada definitiva do Apartheid.

Mais recentemente, os atropelos do capitalismo, a crise financeira com o imbróglio Lehman Brothers, a frustração dos europeus com a austeridade para sustentar o euro, mais a paralisia do sistema multilateral de comércio, geraram renovadas formas de contestação e de rebeldia. Ressurgem negadores da ordem hegemônica, que ocupam Wall Street, a real e as imaginárias. Fortalecem-se partidos neoanarquistas e ambientalistas ferozes, em suas claras metáforas de inconfundível dicção, com a noção de que é o dinheiro que aliena os seres humanos para fazê-los carrascos da natureza e da humanidade. Da mesma forma, a par do poder crescente dos verdes, vê-se a voga da ética do comércio justo e dos direitos humanos e direitos das minorias, além do apelo universal em prol da noção de investimentos éticos e demais balizas reguladoras do sempre voraz capital. Por certo, um cenário a revelar a continuidade da história e a colocar em xeque os precipitados presságios de Fukuyama. Jorge Fontoura, doutor em Direito, é comentarista de política externa e de relações internacionais.

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