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O News of the World não deixará saudades. É o preço que as sociedades pagam para ter notícias de um mundo menos sórdido

Quando a imprensa é notícia, um dos dois está doente – a imprensa ou a notícia. No momento, quem está gravemente enferma é a imprensa mundial e não apenas o tabloide inglês News of the World que deixará de circular neste domingo depois de 168 anos de vida.

O vilão nesta história não é o jornalismo sensacionalista (a imprensa amarela como é chamada em todo o mundo exceto no Brasil, marrom por óbvias razões). Irresponsável não foi o ex-diretor do semanário Andy Coulson ou seu repórter preferido, Clive Goodman, detidos nesta sexta-feira pela Scotland Yard sob aplausos gerais.

O bandido inconfundível é o magnata nascido australiano, Rupert Murdoch, o 13.º homem mais poderoso e 117.º mais rico do mundo, dono do jornal liquidado e uma das figuras mais nefastas do mundo contemporâneo, patrão e patrono da extrema-direita americana e das afiliadas em todos os continentes. A Fox News, de sua propriedade, é um alto-falante com 85 milhões de assinantes cativos dispostos a acreditar em qualquer uma de suas mentiras e delirantes cruzadas.

Murdoch precisa de um novo Orson Welles para ser retratado. É fascinado com a imprensa e compra veículos para degradá-los. Sobretudo quando se trata de jornalões tradicionais. Assim fez com o Times de Londres, comprou o prestigioso Wall Street Journal para lustrar o seu currículo e portfólio, não para usá-lo como paradigma. Na mesma Nova York é dono do ferocíssimo Post – um dos dois tabloides da cidade – que adorou mostrar o socialista Dominique Strauss-Kahn algemado. Quando Murdoch esbarra num adversário inalcançável, procura destruí-lo, caso da modelar BBC, patrimônio do povo inglês, que tenta sitiar através da B-Sky-B.

O dominical News of the World está envolvido há quase uma década com um jornalismo de sarjeta. Sua liquidação é falaciosa, vai resumir-se à desativação do título, substituído pelo tabloide coirmão, The Sun, que passará a circular também aos domingos. E ficará muito mais lucrativo porque a News Corporation é a maior especialista mundial em esvaziar as redações de jornalistas.

Murdoch foi um dos primeiros barões da mídia a regozijar-se com o fim dos jornais impressos. Antes mesmo do adversário Economist, que em 2006 publicou a temerária capa garantindo o fim do jornal impresso – e da qual agora solenemente se arrepende –, Murdoch já enxergava na digitalização da imprensa uma forma de solapar a multissecular instituição jornalística comprometida com a preservação da democracia e a defesa do interesse público.

O fim do seu jornal é um episódio vergonhoso numa sociedade como a inglesa, matriz da cruzada universal pela liberdade de impressão. John Milton, autor da Areopagítica (1644), morreria mais uma vez ao tomar conhecimento das barbaridades que se cometeram em nome do sagrado direito de expressar-se sem controles ou licenças. Ressuscitado, o poeta organizaria passeatas pelas ruas inglesas em favor de uma autorregulação eficaz e efetiva, socialmente responsável.

O episódio seria classificado como irrelevante, localizado, se a conjuntura fosse outra. A grave crise econômica americana é filha da delirante direita que jogou o país em duas aventuras guerreiras praticamente simultâneas, caríssimas e, inevitavelmente, perdidas. O desastre financeiro de 2008 resultou do culto desmedido ao deus Mercado que nenhuma figura decente e lúcida ousou enfrentar com receio de ser fichada como comunista pela mídia de Murdoch e seus cães de guarda.

O News of the World não deixará saudades. É o preço que as sociedades pagam para ter notícias de um mundo menos sórdido.

Alberto Dines é jornalista.

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