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Construção Saneamento
Decretos de Lula para mudar o Marco Legal do saneamento colocam em dúvida projetos de novas redes de água e esgoto| Foto: Arison Jardim / Secom Acre

Atualmente, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 100 milhões não têm serviços de coleta de esgoto, bem como que apenas 45,1% dos esgotos do Brasil são tratados. Desse modo, foi estabelecido um novo marco do saneamento básico no Brasil. A Lei 14.026/2020, sancionada em julho de 2020, tem o objetivo de garantir que 99% da população passe a ter acesso à água potável e que 90% possam contar com os serviços de tratamento e coleta de esgoto até o final do ano de 2033. Cabe lembrar que o Brasil já contava com uma legislação anterior que tratava do assunto (Lei 11.455/2007, também tida como um Marco Legal do Saneamento) e que a nova legislação não revogou a anterior, apenas trouxe uma atualização mais ampla, mantendo muitos dos conceitos já existentes e sobre uma nova estrutura, com metas de universalização no texto da lei e um forte incentivo à regionalização da gestão do saneamento básico.

Neste sentido, com a aprovação da lei, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passa a ter competência para a edição de normas de referência sobre o serviço de saneamento, com caráter geral e que devem ser observadas pelas agências reguladoras de saneamento infranacionais (municipais, intermunicipais, distrital e estaduais ) em sua atuação reguladora. Ademais, a ANA também passa a poder alterar o nome e as atribuições do cargo de especialista em recursos hídricos; vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal; aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no país; tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; estender seu âmbito de aplicação às microrregiões; e, por fim, autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Com isso, a nova legislação contribuirá com a revitalização das bacias hidrográficas, a conservação do meio ambiente e a redução de perdas de água, além de proporcionar mais qualidade de vida e saúde à população.

O saneamento deve ser tido como um elemento estruturante do desenvolvimento econômico dos países.

O Novo Marco do Saneamento Básico extrai a sua importância para toda a população brasileira ao garantir o acesso a direitos fundamentais básicos, como o direito à saúde, à vida, à alimentação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, juntamente com a satisfação de um dos princípios fundamentais da República do Brasil (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, as políticas públicas criadas em atenção a estes princípios e direitos são de suma importância para estabelecer e garantir o atendimento às necessidades vitais de cada indivíduo. Tendo isso em mente, em julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, através da Resolução A/RES/64/292, que o acesso à água limpa e segura e aos serviços de saneamento básico é um direito humano essencial para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos. Outrossim, mais recentemente, em 2022, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 2/2016, com o intuito de inserir o saneamento básico como um direito social na Constituição, igualando-o aos outros direitos fundamentais. A finalidade por trás da PEC é fazer com que o reconhecimento destes serviços como direito básico aumente a responsabilidade do Executivo em garantir água tratada e esgoto para toda a população por meio da implementação de políticas públicas.

É com isso em mente que o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional criou o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), que consiste no planejamento integrado do saneamento básico considerando seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, com metas previstas até 2033. Todavia, cabe observar que o Novo Marco do Saneamento não fortalece os quatro componentes mencionados, na medida em que apenas prioriza os dois primeiros serviços e enfraquece a abordagem de gestão integrada prevista na lei anterior.

Na seara ambiental, a coleta, o tratamento e o descarte de resíduos podem acarretar danos irreversíveis para os diversos ecossistemas quando não forem feitos de forma correta. Não é à toa que a quantidade de recursos financeiros a serem destinados ao setor no Brasil é significativo e tem demonstrado notório aumento nos últimos anos. Além disso, infraestruturas inadequadas de saneamento básico prejudicam a preservação do meio ambiente, haja vista que causam, por exemplo, a poluição dos recursos hídricos, a contaminação do solo, o extermínio da fauna e da flora local, a redução da quantidade de água potável etc. Todo o exposto aponta para a importância de uma ação conjunta dos órgãos públicos no sentido de combater a pobreza e promover o acesso aos serviços de saneamento.

Por fim, para além da sua importância social, o investimento em um saneamento básico de qualidade também pode gerar consequências econômicas positivas, uma vez que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cada real investido nestes serviços economiza R$ 4 em saúde. Ainda, conforme a justificativa do relator da PEC 2/2016 mencionada, se toda a população tivesse acesso à coleta de esgotos, haveria uma redução de 74,6 mil internações por ano, sendo que 56% da redução ocorreria no Nordeste. Com investimentos adequados em saneamento, também há a prevenção de problemas sanitários e a redução da evasão escolar e dos gastos com saúde. Sendo assim, à vista de todo o exposto, não é possível negar que o Novo Marco do Saneamento é de suma importância, tanto no âmbito social, quanto econômico. O saneamento deve ser tido como um elemento estruturante do desenvolvimento econômico dos países, na medida em que a população com acesso a esses serviços têm, ao mesmo tempo, menores taxas de mortalidade, morbidade, melhores níveis de escolaridade e renda.

Camila Schlodtmann  é advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório; Bruna Shigaki é estagiária da área Ambiental e Regulatória do escritório Renata Franco, Sociedade de Advogados.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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