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Uma das boas ideias no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) – que infelizmente não são tantas quanto gostaríamos – é o estímulo à estruturação dos Núcleos de Justiça Comunitária. O objetivo fundamental é a criação de meios alternativos de solução de litígios em benefício das populações que não têm o devido acesso ao Poder Judiciário. O conceito é a estruturação de locais de atendimento nas próprias comunidades carentes e a condução de processos preventivos e conciliatórios por agentes oriundos da própria comunidade.

Claro que a solução de litígios, neste modelo, é alternativa, e não substitutiva do Poder Judiciário. Quando algum conflito for levado ao conhecimento desses agentes, não há o objetivo de indicar qual parte tem razão. Não há sentença. O trabalho do agente é promover o diálogo para que as partes possam construir suas próprias soluções.

Diálogo que tende a ser efetivo por ser conduzido por alguém que vivencia os problemas da comunidade, sabe o real impacto de questões que parecem pequenas para quem olha de fora e tem seus argumentos compreendidos pelas partes.

Este pode ser um relevante instrumento para a solução do grave problema do acesso à tutela judicial. Milhões de brasileiros se acostumaram a assimilar as perdas, a aceitar as violações de seus direitos. Para eles, o Judiciário é uma instituição distante. A existência de um espaço em suas próprias comunidades, sem a incompreensível pompa dos tribunais, onde exista o amparo por alguém que compreenda suas dificuldades e aceite sua linguagem, pode ser um marco na realização de muitas normas que estão presentes em nossa Constituição.

Outro ganho que pode decorrer da implantação desses núcleos é a substituição de grupos criminosos nesse espaço ainda não ocupado pelo Estado. É de conhecimento comum a existência de comunidades onde grupos de traficantes fazem as vezes de Judiciário, "resolvendo" problemas entre moradores. Problemas que a eles são levados simplesmente em razão da inexistência de outra instituição a que recorrer.

Considere-se também que a solução de litígios que, à vista da justiça tradicional, podem parecer insignificantes (como uma conta de pequeno valor não paga), evita o surgimento de outras tensões na comunidade. Pequenos problemas podem se tornar grandes se não forem resolvidos em seu nascedouro.

Claro, há quem se oponha a esse caminho, argumentando, em especial, que assim se está a não realizar plenamente o direito, já que os agentes comunitários não teriam conhecimento completo das normas que seriam aplicáveis aos fatos envolvidos na lide. Preconceito puro. Com uma orientação mínima, que permita aos agentes comunitários identificar os direitos disponíveis, a construção de soluções que as partes considerem satisfatórias só trará benefícios à sociedade.

A ideia de estruturação de tais núcleos não é nova. Consta da pauta do Ministério da Justiça desde 2008. E também não está apenas no plano teórico, já existindo núcleos em funcionamento em diversos estados brasileiros, com ou sem o apoio do governo federal. O objetivo do Ministério da Justiça é apoiar a instalação de mais 25 desses núcleos ainda em 2010, em Alagoas, na Bahia, no Ceará, no Espírito Santo, em Pernambuco, no Piauí, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Distrito Federal. Vamos ver se neste caso, diferentemente do que ocorre em tantos outros, as boas intenções não viram simples propaganda do governo.

Fábio Tokars, doutor em Direito, advogado do escritório Marins Bertoldi, é professor de Direito Empresarial na PUCPR, do curso de mestrado em Direito do Unicuritiba e da Escola da Magistratura do Estado do Paraná

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