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Dentre as várias pérolas empregadas por representantes do governo para minimizar o verdadeiro caos que passou a dominar o transporte aéreo brasileiro, desde setembro de 2006, destacou-se o diagnóstico do ministro da Fazenda, Guido Mantega, dando conta de que as panes de suprimento dos serviços seriam frutos do progresso ou da boa safra da economia.

Na visão de Mantega, os repetidos problemas enfrentados pelos usuários de aviões no país, especificamente os atrasos e cancelamentos de vôos, sintetizam uma "anomalia temporária", que teria como raiz a ampliação da densidade de passageiros demandantes de aeronaves e a intensificação do ritmo de circulação das mesmas.

Ao tecer comentários a respeito de uma área desvinculada de sua atuação primordial, o ministro revelou diminuto alcance de compreensão de um espectro de restrições, retratadas no deficiente controle de tráfego, na escassez de quadros de controladores de vôo, na insuficiência de equipamentos adequados e nas confusões gerenciais provocadas pela presença e interferência do Ministério da Defesa,

O mais grave, porém, foi a surpreendente mensagem de desconhecimento transmitida por Mantega acerca das variáveis determinantes do funcionamento de um sistema econômico. Ao tentar atrelar a deterioração de uma modalidade relevante de infra-estrutura aos discutíveis aprimoramentos observados no campo econômico, resultado da conjugação entre a gestão conservadora do primeiro mandato do presidente Lula e a excepcional conjuntura internacional traçada desde o final de 2002, o ministro causou a impressão de que no Brasil seria possível a "carroça puxar os bois".

Isso porque, ao proferir uma afirmação tão precipitada e triunfalista, Mantega demonstrou absoluto desprezo por alguns princípios elementares da ciência econômica, definidores da articulação entre progresso e investimento (aplicações em ativo fixo, ou em máquinas, equipamentos, instalações, portos, usinas hidrelétricas, aeroportos, etc.).

A inexistência e/ou insuficiência de investimentos constituem o fator explicativo do atraso econômico, da perpetuação das desigualdades sociais e do subdesenvolvimento. Em macroeconomia, por anteceder o crescimento, o investimento representa o elemento definidor das possibilidades de expansão futura do aparelho produtivo de uma nação.

Por investir cerca de 45% do Produto Interno Bruto (PIB), a China vem registrando taxas médias anuais de incremento dos níveis de atividade econômica superiores a 9,5% ao ano, nos últimos 25 anos. Enquanto isso, ao investir pouco mais de 15% do PIB, a economia brasileira experimentou variação de 2,2% a.a., em idêntico período, insuficiente sequer para promover a absorção do acréscimo da população economicamente ativa (2,5% a.a.), que exprime a evolução dos potenciais ingressantes no mercado de trabalho.

O rompimento da barreira da estagnação econômica e a construção dos alicerces para uma nova etapa expansiva, com melhor distribuição de renda e inclusão social, requerem, do Brasil, relevante impulsão das taxas de investimento. O incremento mais encorpado do investimento exige, por seu turno, a recuperação da capacidade de coordenação, de indução e de inversão do Estado, principalmente na desobstrução dos gargalos de oferta no segmento de infra-estrutura (energética, portuária, rodoviária, ferroviária e aérea), sob pena de preservação do estopim da inflação de custos, em condições de reduzida viabilidade de resolução pela via da realização de importações, conforme apregoam as correntes estruturalistas do pensamento econômico.

Mas, o predomínio de visões tão simplistas quanto à de Guido Mantega arrefece as apostas de concretização de expectativas dessa natureza, e ocasiona a incorporação das chances de ocorrência de um apagão logístico na coordenação das antecipações e na fixação dos planos de ações dos agentes microeconômicos, o que compromete a eficiência da base produtiva e as articulações em favor do delineamento de ingredientes sólidos à retomada do crescimento econômico no Brasil.

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