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O nosso sofrido, paciente e decepcionado povo, unificado na sua angústia diante da falência múltipla dos três poderes com a evidência de que o crime organizado ocupou São Paulo o tempo que quis, pode congelar as suas últimas reservas de esperança de uma reação do pudor oficial: não há solução à vista, estamos caminhando às cegas no beco sem saída.

Se de alguma coisa vale a experiência, creio que posso refrescar a memória dos sobreviventes da minha geração e acrescentar algumas informações aos mais jovens. Esta guerrilha vem sendo perdida há muitas décadas, embrulhada em desculpas e acusações cruzadas, sempre que um episódio mais chocante mexe com a sonolenta indignação popular.

Quando comecei a minha interminável correria atrás da informação, cumpri o roteiro de principiante na escola de jornalismo prático da velha "A Notícia", de Cândido Campos e Silva Ramos, lá pelos idos de 1948, com freqüentes incursões na reportagem policial. E engrossei o coro das denúncias do descalabro da superlotação do xadrezes, depósitos de presos espremidos como animais nos matadouros.

Mas, com as ressalvas devidas: se o quadro era de horror, não chegava à dimensão de calamidade pública nem ameaçava a população com o risco de impensável ocupação das cidades. As fugas episódicas buscavam as rotas dos ermos, dos esconderijos distantes.

E, na mesma toada das diferenças, a preocupação teórica com a recuperação do detento para a sua reintegração na sociedade era praticada em muitas penitenciárias, urbanas ou na área agrícola, com a aprendizagem de uma profissão nas oficinas tradicionais, como carpintaria, mecânica, gráficas e de trabalhos manuais.

Os antros de horror, como o que Graciliano Ramos denuncia na obra-prima, Memória do Cárcere, com a veracidade da sua experiência pessoal como preso político na temida Ilha Grande, não eram raros ou exceções, nem a regra.

A intervalos regulares, o assunto retornava à pauta de jornais, revistas e, com a censura interna para não chocar os telespectadores, às séries de denúncia das televisões. Com a grande e fundamental diferença que a cutucada na ferida gangrenada justificava-se pela esperança de cura, como sempre prometiam os candidatos em todas as campanhas.

O nosso infortúnio distingue-se pela preliminar que não há solução possível diante da arrepiante constatação que, de todos os ângulos que se force os olhos para pedir socorro, o que se avista é a crise moral, ética, de decência e dignidade que embrulha os três poderes com o mesmo papel pardo das responsabilidades partilhadas.

A começar pela indiferença da cúpula do Judiciário pela reforma dos códigos venerandos ou claramente desatualizados, que não atendem às urgências da cambalhota da maior migração interna do último século, com o inchaço da população urbana nas alturas de 82%, com 12% de remanescentes da área rural e os agravantes das drogas e do crime organizado.

Do Executivo não há o que esperar. O regime presidencialista catapulta o presidente ao alto da pirâmide do poder e tudo começa ou enguiça na cadência do seu comando e iniciativa. E o presidente-candidato Lula inaugura o modelo singular do presidente que olha e não vê, de nada sabe dos escândalos que passam à porta do seu gabinete na corrente de águas pútridas do mensalão, do caixa 2; das ambulâncias superfaturadas pelas trapaças parlamentares com a conivência de órgãos públicos, com a gatunagem na operação tapa-buracos, as filas de doentes e idosos no sistema público de saúde em pandarecos.

E, finalmente, do pior Congresso de todos os tempos o pouco que se pode esperar é que o instinto de sobrevivência e o pudor do eleitorado, na contramão das expectativas, com a raiva cívica do voto, em 1.° de outubro, varra a podrigueira de mais de uma centena de deputados e poucos senadores que participaram do ignóbil acordo por baixo do pano para absolver os envolvidos nas trampas da corrupção.

Não pode haver dúvida. A manobra sustentada pelo consenso da maioria que enterrou na imundície todas as denúncias apuradas de bandalheiras repulsivas, confirma que os parlamentares entregam os dedos rapaces do pejo para garantir os anéis das vantagens, mordomias e das sucursais da variada roubalheira do dinheiro público.

E essa gente não vai criar caso com as quadrilhas organizadas de bandidos que superlotam as penitenciárias e cadeias. E que eram poucas, com a depredação de muitas é que falta vaga para os colegas engravatados e com a gazua da imunidade.

Estamos entregues à própria sorte. Salve-se quem puder!

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