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Uma pergunta legítima é se ocorrência como esta pode se repetir. Nenhum sistema é imune, por duas razões bastante óbvias: primeiro, não controlamos a natureza; segundo, o engenho humano ainda não inventou um sistema capaz de operar com risco zero

Itaipu esteve no olho do furacão da cobertura sobre o blecaute da última terça-feira. No calor da hora, chegou a ser noticiado que o "desligamento" de todas as suas unidades geradoras teria desencadeado um efeito dominó no sistema. Não havia base real nessa informação, como ficaria comprovado.

Do ponto de vista técnico e operacional, podemos reafirmar categoricamente: em nenhum momento Itaipu perdeu a sua capacidade de gerar energia. O que aconteceu, de fato, é que algumas turbinas foram desconectadas automaticamente por solicitação do Sistema Interligado Nacional (SIN). As demais turbinas permaneceram girando em vazio até o restabelecimento do sistema de transmissão.

O suprimento para o Paraguai foi normalizado em 15 minutos. Tão logo o sistema brasileiro foi restabelecido, Itaipu voltou imediatamente a gerar e a despachar energia, seguindo ordem de despacho do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

A energia elétrica, no volume que é gerado em grandes usinas, como Itaipu, não pode ser armazenada. Portanto, a energia só é gerada quando há condições de despachá-la para o consumo. Cabe ao ONS determinar o volume de energia a ser produzido pelas geradoras, de acordo com a demanda.

Não procede, portanto, a suspeita de que Itaipu tenha sobrecarregado o sistema. Aos leitores mais atentos, certamente não passou desapercebida uma grave contradição: num primeiro momento especulou-se que Itaipu gerou energia de menos e por isso teria causado o blecaute para, logo em seguida, cogitar a hipótese de que Itaipu teria gerado energia de mais e que a sobrecarga das linhas de transmissão teria derrubado o sistema. Nem uma coisa nem outra: Itaipu gera e despacha, com rigorosa precisão, o volume determinado pelo ONS.

Foram afetadas simultaneamente três das cinco linhas de transmissão que transportam a energia produzida por Itaipu para a Região Sudeste, percorrendo uma extensão de cerca de mil quilômetros, entre a usina, em Foz do Iguaçu, e a subestação de Tijuco Preto, em São Paulo.

Uma pergunta legítima é se ocorrência como esta pode se repetir. Nenhum sistema é imune, por duas razões bastante óbvias: primeiro, não controlamos a natureza; segundo, o engenho humano ainda não inventou um sistema capaz de operar com risco zero.

Este evento, no entanto, não deve servir de pretexto para colocar em dúvida a eficiência e confiabilidade do sistema brasileiro. O Brasil construiu nas últimas décadas o maior parque hidrelétrico do mundo. O padrão de excelência alcançado pela engenharia brasileira na construção e operação de complexos hidrelétricos é reconhecido internacionalmente.

Hoje, 95% da energia elétrica que move a indústria nacional e abastece nossas casas vem de uma fonte renovável e limpa: hidreletricidade. Nenhum outro país tem uma matriz energética com tamanha participação de fonte renovável. E até agora só realizamos o aproveitamento de cerca de 30% do nosso potencial hidráulico.

O sistema brasileiro apresenta outra vantagem extraordinária: está interligado em todo o território nacional. São cerca de 110 mil quilômetros de linhas de transmissão que conectam todo o país, atendendo hoje 98% do mercado. Para se ter uma ideia do tamanho do nosso sistema, ele permitiria cobrir todos os países da Europa continental.

Nos últimos sete anos, o governo federal realizou grandes investimentos em novas linhas de transmissão e na ampliação do parque gerador, aumentando a segurança energética e afastando a ameaça de desabastecimento que travou o crescimento econômico e obrigou a população a racionar o consumo, no biênio 2001/2002.

A implantação do SIN trouxe enormes benefícios para o país, entre as quais a operação interligada das usinas hidrelétricas distribuídas em todas as regiões. Hoje, os reservatórios funcionam como vasos comunicantes: quando os reservatórios do Sul e Sudeste estão cheios, o ONS determina o aumento da produção das hidrelétricas dessas regiões para atender, por exemplo, as necessidades do Nordeste durante o período de estiagem desta região e vice-versa.

Portanto, uma ocorrência como a desta semana, que teve características muito raras e de difícil repetição, deve, sim, ser rigorosamente analisada pelos técnicos e especialistas para procurarmos tirar o máximo de ensinamentos e aprimorar sempre mais o nosso sistema. Mas isto não deve colocar em dúvida as virtudes e vantagens da interligação e do uso da hidreletricidade. Afinal, em outros países, o restabelecimento de sistemas de extensão incomparavelmente menor do que o nosso não se mede em horas, mas em dias!

Por fim, este incidente isolado não pode reacender o nosso "complexo de vira-lata", expressão criada pelo dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues para descrever o que ele identificava como uma tendência atávica dos brasileiros de, voluntariamente, assumir uma condição de inferioridade em face do resto do mundo. A eficiência e qualidade do nosso sistema elétrico interligado é um dos motivos pelos quais o Brasil é cada vez mais admirado e reconhecido. Não precisamos, portanto, de divã para melhorar nossa autoestima e superar definitivamente nosso "complexo de vira-lata".

Jorge Samek, engenheiro agrônomo formado pela UFPR, é diretor-geral brasileiro de Itaipu.

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