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Para entendermos as crises, atual e passadas, na Ucrânia, precisamos da Geologia. Precisamos ver o país como um local onde duas grandes placas tectônicas chocam-se. Desde jovens, sabemos a consequência do movimento de tais placas – terremotos – e que, quanto mais fortes tais movimentações, mais intensos são os mesmos.

Com a Ucrânia não é diferente. Historicamente, o país encontra-se no meio de dois grandes polos de poder, situados a oeste e leste, com forças expansionistas e de atração. É esse contexto que dá sentido aos acontecimentos na Ucrânia.

No passado, tais polos eram impérios, tanto europeus quanto russo, e um importante divisor das áreas de influência era o rio Dniepre, que corta Kiev, a capital ucraniana. Atualmente, temos a União Europeia (UE) e a Rússia.

A oeste, vemos a UE, por meio do seu alargamento que começa em 2006 e da Parceria Oriental lançada em 2009, buscando aumentar sua ascendência sobre várias ex-repúblicas soviéticas, inclusive a Ucrânia. Com esses dois instrumentos, a influência europeia chega às fronteiras russas, o que evidentemente preocupa o Kremlin.

A leste, vê-se a Rússia buscando recuperar a forte influência que a ex-União Soviética tinha sobre esses países e, sobretudo, seu protagonismo no cenário internacional. Vê-se, também, o país operando um histórico eixo da sua política externa – a busca por portos em águas quentes. Por isso, o acesso ao Mar Negro é vital. Por meio dele, os russos chegam ao Mediterrâneo e ao Atlântico. Assim, Sebastopol, na Crimeia, e sua base militar são centrais.

Esses dois polos de poder também possuem grande força de atração. Do lado europeu, a atração vem essencialmente por meio da sedução da entrada na UE e, possivelmente, na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Do lado russo, laços culturais, históricos e o baixo preço para compra do gás russo sempre tiveram um papel-chave.

Ambas as forças, expansionistas e de atração, têm grande impacto dentro da Ucrânia. Não por acaso vemos a política ucraniana recente neste constante pêndulo entre a Europa e a Rússia. Sendo pressionado e atraído, com enorme força, tanto a leste quanto a oeste, não é surpreendente que o país passe por grandes e frequentes turbulências internas e que atualmente esteja, literalmente, esgarçando-se ao meio.

Apesar da distância geográfica, não estamos imunes à essa crise. A mesma tem enorme relevância para o Brasil. Por um lado, temos uma grande comunidade ucraniana. Sua larga maioria está no Paraná. Por outro lado, o Brasil e a Ucrânia têm um importante acordo na esfera espacial. Desde 2003, temos um programa para lançamento de foguetes espaciais, a partir de Alcântara no Maranhão. Mais do que isso, temos uma empresa binacional, criada em 2006, responsável pela criação do Centro de Lançamento de Alcântara. Evidentemente, a crise traz grandes incertezas para a continuação desse projeto espacial, acarretando graves prejuízos financeiros e estratégicos.

Apesar disso, estamos imóveis. Se queremos ser um ator relevante em nível global, precisamos engajarmo-nos na solução de crises como essa. Contudo, o que temos é um ensurdecedor silêncio brasileiro. Tal posição é, no mínimo, preocupante vinda de um país que historicamente, e acertadamente, busca um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e pesquisador associado do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

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