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O coronavírus e a valorização da indústria nacional
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Apesar de um crescimento abaixo do esperado, a economia brasileira terminou 2019 com um cenário mais promissor do que nos anos anteriores. Um quadro de inflação controlada, juros em patamares mais honestos e um maior controle sobre os rumos da política econômica criaram a expectativa de que 2020 seria um ano de efetiva retomada após uma das recessões mais perniciosas de nossa história recente. No caso da indústria paranaense, o otimismo era nítido. A pesquisa Sondagem Industrial, realizada pela Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), apontava que 80% dos industriais do estado entravam neste ano com expectativas favoráveis para seus negócios. Desses, 82% pretendiam realizar novos investimentos, principalmente no aumento da sua capacidade produtiva.

Todo e qualquer planejamento, no entanto, foi por terra ainda no primeiro trimestre, quando o mundo foi paralisado pela pandemia do novo coronavírus. Uma situação completamente inesperada, que exigiu a adoção de medidas para restringir a circulação de pessoas, reduzir a disseminação do vírus e preservar a saúde pública. O fechamento temporário de fábricas inicialmente na China, um dos principais fornecedores de produtos, peças e insumos para o resto do mundo, teve impacto em toda a cadeia global de produção, começando a afetar alguns setores industriais no Brasil. Posteriormente, com o aumento de casos da doença no país, o fechamento do comércio fez despencar a demanda pelos produtos industrializados, comprometendo fortemente o faturamento das empresas e colocando em risco os empregos que geram.

Mais do que levar o Brasil ao rumo de uma nova recessão, essa crise sem precedentes também trouxe alguns alertas sobre a estrutura produtiva do país. Em especial no que se refere a itens essenciais utilizados por profissionais de saúde para sua própria proteção ou para o tratamento da Covid-19, ficou claro que somos extremamente dependentes de produtos importados. Desde máscaras cirúrgicas até respiradores mecânicos, poucos desses itens eram fabricados em território nacional. Devido à grande demanda por esses produtos em todo o mundo, chegamos ao ponto de carregamentos destinados ao Brasil serem confiscados durante escalas em outros países.

Essa realidade fez com que indústrias brasileiras, até pelo fato de precisarem buscar alternativas para seus negócios, passassem a produzir alguns desses itens. No Paraná, um dos principais exemplos se concentrou na indústria do vestuário. Empresas que fabricavam roupas, bonés e outras peças de confecção adaptaram suas linhas de produção e começaram a fabricar máscaras e aventais hospitalares. Indústrias metalmecânicas, por sua vez, investiram em pesquisas para desenvolver respiradores nacionais. Esses são apenas alguns dos tantos exemplos que o industrial brasileiro vem dando, mesmo com todas as dificuldades, de que tem uma capacidade empreendedora e produtiva estupenda.

Esse potencial precisa ser mais bem explorado para que o país não dependa tanto de produtos importados, seja em tempos de crise quanto de normalidade. O que se observou nas últimas décadas no Brasil, no entanto, foi uma grande depreciação da indústria de transformação nacional. Esse setor, que nos anos 1970 chegou a responder por 21,4% do Produto Interno Bruto (PIB), foi responsável por apenas 11% do PIB em 2019. Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que analisou a evolução da indústria em 30 países nesse período, mostra que o Brasil foi um dos que apresentaram maior recuo em seu parque fabril.

Muito dessa retração se deve aos altos custos de produção que o industrial brasileiro enfrenta e que tiram a competitividade de seus produtos em relação aos fabricados em outras partes do mundo. Custos que vão desde a incidência de inúmeros tributos ao longo da cadeia produtiva até o cumprimento de diversas exigências burocráticas, que obrigam as empresas a gastos indiretos para cumprir todas as suas obrigações. Isso sem contar diversos problemas estruturais do país, como a infraestrutura deficiente e o baixo nível educacional, entre tantos outros que reduzem a produtividade da indústria nacional.

Neste momento, todas as atenções do país devem estar voltadas à superação da questão sanitária, colocando como prioridade a preservação da vida e da saúde de seus cidadãos, além da redução dos impactos econômicos. Porém, como legado, o Brasil deve sair desta crise com a consciência de que precisa, mais do que nunca, estruturar seu crescimento em longo prazo. E isso passa, obrigatoriamente, por uma estratégia que permita ao país ter condições de suprir suas próprias necessidades, com menos dependência de produtos importados. Não se trata de criar mecanismos de proteção ao produto nacional, mas sim de implantar uma política industrial efetiva, que permita que as empresas brasileiras, com toda a sua capacidade, produzam em igualdade de condições com seus concorrentes estrangeiros.

Entre tantas mudanças de hábitos e comportamentos que esta crise vem trazendo, esperamos que ela sirva também para que todos nós, sociedade e governos, reflitamos sobre o tipo de desenvolvimento que queremos para nosso país no futuro.

Carlos Valter Martins Pedro é presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).

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