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Antes que os "falcões da inflação" apre­sentem suas críticas, é fundamental insistir que prioridade não deve ser confundida com exclusividade. O combate à inflação é uma das tarefas centrais do governo, mas não deve ser nem de longe a sua única preocupação

Estabelecer prioridades é uma das mais difíceis e relevantes tarefas da vida de indivíduos, empresas e gestores de política econômica. Para os últimos, a tarefa é especialmente mais complexa, já que suas escolhas impactarão a vida de milhões de pessoas. Nos últimos anos formou-se um relativo "consenso", sobretudo entre os economistas mais ortodoxos, que a principal missão do governo é garantir a estabilidade de preços. É evidente que essa é uma de suas tarefas fundamentais e que a manutenção da estabilidade deve estar sempre entre os objetivos de qualquer administração. No entanto, neste momento específico, a prioridade do governo deve ser promover a retomada do crescimento. Razões para isso não faltam.

Entre 2004 e 2010 a economia brasileira retomou um ciclo de expansão, com exceção do ano de 2009, que permitiu ao país registrar um crescimento médio levemente superior aos 4% a.a. Os ganhos do crescimento, associados a uma política de redistribuição da renda, foram evidentes. No entanto, este processo encontra-se ameaçado pela conjuntura externa francamente desfavorável. A expectativa é de que em 2011 o país tenha registrado um crescimento inferior a 3%. Pior ainda é que o mercado prevê um crescimento de 3,2% para o ano de 2012. A redução continuada no ritmo de crescimento terá custos sociais, econômicos e políticos não desprezíveis.

Boa parte da expansão recente da economia deu-se a partir do crescimento do mercado consumidor. O boom da "nova classe média" é recorrentemente relatado pela mídia e pelo governo. Esse processo é o resultado da expansão da renda das famílias – fruto da melhoria nas condições no mercado de trabalho e do conjunto de políticas distributivas praticadas pelo governo federal – e do expressivo crescimento do crédito ao consumidor.

Uma redução mais acentuada no crescimento pode ser fatal para os milhões de brasileiros que hoje compõem esse grupo social, tendo em vista seus impactos sobre os níveis de emprego e renda. Além de comprometer a capacidade de consumo presente, é de se esperar que uma elevação do desemprego amplie a inadimplência. É bom lembrar que a "nova classe média", em seu conjunto, não possui ativos ou aplicações financeiras que sejam capazes de contrabalançar os efeitos da redução do emprego e da renda, o que pode comprometer as condições de operação do mercado de crédito.

A manutenção das políticas distributivas do governo também pode ser diretamente afetada por um fim do ciclo de expansão. É bom lembrar que os reajustes do salário mínimo estão indexados às variações do PIB e que as políticas sociais e de assistencialismo dependem dos resultados fiscais para sua manutenção/ampliação. Outro aspecto que não deve ser esquecido é que os superávits primários obtidos pelo governo nos últimos anos decorrem do crescimento na arrecadação tributária, que depende essencialmente do ritmo de atividade econômica.

Antes que os "falcões da inflação" apresentem suas críticas, é fundamental insistir que prioridade não deve ser confundida com exclusividade. O combate à inflação é uma das tarefas centrais do governo, mas não deve ser nem de longe a sua única preocupação. Defender maior crescimento não significa concordar com maior inflação. Apesar da existência de pressões inflacionárias pontuais no mercado doméstico, sobretudo no setor de serviços, a crise externa nos países desenvolvidos e a manutenção da tendência de valorização do câmbio, devem contrabalançar essas pressões domésticas.

Em síntese, há um conjunto de argumentos econômicos e sociais que justificam a escolha do crescimento como prioridade neste momento. Se esses argumentos não forem suficientes, deve-se lembrar ao atual governo que a derrota do candidato à Presidência do PSDB em 2002 pode ser atribuída, em grande medida, ao pífio crescimento econômico registrado pelo segundo governo FHC, mesmo num contexto de relativa estabilidade de preços. Para que o feitiço não se vire contra o feiticeiro é importante que o governo Dilma eleja a retomada do crescimento como prioridade e utilize os instrumentos de política econômica disponíveis para alcançar esse objetivo.

Marcelo Curado, doutor em Política Econômica pela UniCamp, é professor associado da UFPR e pesquisador do Ipea. Email:curado@ufpr.br

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