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Em continuidade à descrição das estratégias de desenvolvimento empregadas no Brasil, que começaram na Era Vargas, abordada na coluna do dia 1.º de março de 2010, o artigo de hoje trata das incursões ocorridas nos governos Juscelino Kubitschek (JK) e Geisel. De lá para cá, o país carece da formulação e aplicação de algo minimamente parecido.

A gestão JK, no período 1956-1961, foi sintetizada pelo Plano de Metas, ou no slogan "50 anos em cinco", que representou uma espécie de álibi para justificar a necessidade de adensamento e sofisticação da matriz industrial brasileira, com a instalação dos departamentos de fabricação I (bens de capital e intermediários) e II (bens de consumo duráveis), ancorada na equivocada premissa da existência de elevada e direta correlação entre industrialização e desenvolvimento.

O alcance de tal propósito exigiu radical revisão da aliança firmada por Vargas. Desta feita, o Estado colocou-se, de maneira abrangente, à disposição do capital multinacional, por intermédio da derrubada das restrições à remessa de lucros e a adoção do câmbio múltiplo, para favorecer as compras externas dos bens de produção essenciais ao prosseguimento da substituição de importações.

Houve também a concessão de aval para empréstimos externos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o uso da instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que permitia a importação de máquinas e equipamentos figurantes das classes consideradas essenciais, pelas empresas estrangeiras sediadas no país, sem a obrigatoriedade da imediata internalização das divisas. Cabe esclarecer que esse benefício não era extensivo às empresas nacionais que, na maioria das situações, se viam forçadas a importar bens de capital de segunda mão dos países de origem.

À empresa privada nacional, foram designadas funções marginais, centradas na produção de bens salário ou de algumas matérias-primas para as companhias estatais e transnacionais, e na participação residual nas encomendas públicas, que seriam bancadas financeiramente pelo Banco do Brasil (capital de giro) e pelo BNDE (investimento).

O arranjo da administração Ernesto Geisel deu-se no segundo quinquênio dos anos 1970, quando, em um ambiente de autoritarismo e repressão política, a despeito da retórica de abertura lenta, gradual e segura, a orientação econômica brasileira priorizou a cobertura dos déficits em transações correntes – multiplicados pela quadruplicação dos preços do petróleo, comandada pela Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (Opep), em agosto de 1973, a partir do conflito entre Israel e palestinos – e dos investimentos necessários à complementação do circuito substitutivo de importações, com a captação de poupança externa.

Na prática, o governo Geisel optou pela negação da importação plena da recessão mundial acoplada ao I choque do petróleo, empurrando as empresas estatais e o BNDE para a captura dos petrodólares excedentes, aplicados no mercado financeiro europeu e norte-americano, para o financiamento das inversões requeridas pelos empreendimentos em energia, transportes e comunicações, contidos no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).

A execução dessa estratégia, conhecida na literatura econômica como "fuga para frente", estimulou o pronto surgimento e/ou a consolidação de um mercado para a produção de bens de capital e de insumos, atendido preferencialmente pelo capital privado nacional que, dependendo da escala financeira, aportava linhas de crédito externas ou do próprio BNDE.

Nesse panorama, ao contrário da internacionalização do acréscimo do investimento direto, promovido nos tempos de JK, no estágio de Geisel no poder, a participação das companhias transnacionais era considerada secundária. Em consonância, um cenário mundial contracionista, decorrente da subida das cotações do petróleo, incitou o engavetamento de parcela expressiva dos projetos de ocupação e/ou expansão dos conglomerados multinacionais em múltiplos mercados.

Por sinal, há quem afirme que o II PND de Geisel traduziu a materialização do arcabouço Varguista de implantação do departamento I na configuração manufatureira brasileira, na busca do rompimento da condição de subdesenvolvimento. A celebração dos contratos de cooperação com o governo alemão para a aquisição de tecnologia nuclear, apesar das vozes contrárias emanadas dos Estados Unidos (EUA), constituiu exemplo acabado da intransigente busca de edificação de uma nação potência.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário

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