• Carregando...

"O que você vai ser quando crescer?" A pergunta que nos fazem desde cedo e que repetimos para nossos filhos, naturalmente, aguarda uma resposta relativa à profissão: "Médico, "advogado", "professora", "artista" etc... todas indicando a melhor forma de ganhar "muito dinheiro" e "ser feliz". Assim, desde criança, cada um de nós é avaliado pelo trabalho que pretende executar e, quando adulto, aprende logo a lutar por um lugar em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Os pais, por sua vez, já cientes dessas dificuldades do dia-a-dia, se vêem na obrigação de preparar seus filhos para o vestibular, a faculdade e o trabalho! Se não fosse assim, o que as crianças pequenas estariam fazendo nas escolas, nos tantos cursos de inglês, informática, música etc... E se não, por que as crianças estão trabalhando desde cedo, seja nas cidades ou no campo?

Surge logo, então, um ponto nevrálgico do mundo do trabalho: embora todos tenham que se posicionar quanto à profissão, o mercado de trabalho é desigual. No caso do Brasil, a situação é ainda mais grave, pois reúne, a um só tempo, a prosperidade econômica e o desenvolvimento tecnológico, mas tudo isto mesclado com atraso social e falta de oportunidades. As sucessivas crises econômicas do país contribuíram para a desorganização do mercado de trabalho, elevando a taxa de desemprego, a informalidade e formas de trabalho tão degradantes que custamos a acreditar que ainda existam, como trabalho escravo e trabalho infantil.

É então que o sonho infantil de "ser artista" tem que encarar os fatos como eles se apresentam e o sonho de "ganhar dinheiro" e "ser feliz" entra em choque com a realidade de salários curtos, das vagas disputadíssimas e do subemprego. Esse é um ponto de tensão no mundo do trabalho, ou seja, já não basta a subsistência simples como faziam nossos antepassados, mas agora é necessário perceber renda suficiente para o consumo de um sem-fim de produtos e serviços colocados à nossa disposição. De um lado, então, o sonho é cada vez mais instigado por uma sociedade altamente consumista e, de outro lado, o poder de compra é cada vez mais desigual e restrito por força de uma economia nacional frágil e recessiva. Todos estes elementos – a luta pela subsistência, a desigualdade de oportunidades e capacidades, as restrições de consumo em uma sociedade consumista – constituem a trama social que forma o mercado de trabalho. Obviamente, há muitos outros aspectos e não se pretende esgotá-los aqui. Esses são apenas alguns elementos que, de outra forma, não costumam constar em discussões políticas, econômicas ou jurídicas, mas que estão presentes em ambos os pólos das relações de trabalho, porque em ambos os lados há tão-somente seres humanos e seus sonhos.

Como conciliar os sonhos das pessoas com as regras de mercado? Este é outro ponto de tensão a que esses controvertidos tempos pós-modernos nos levaram. O cenário econômico pós-Guerra Fria leva à integração os mercados, mas também à eliminação de todas as barreiras que obstruem a circulação de capitais e ao ganho de lucros, mesmo que, para tanto, tenha que reduzir o Estado, eliminar garantias sociais e flexibilizar os direitos dos trabalhadores. À medida que o atual modelo aumenta as possibilidades de consumo de bens e serviços, mas concentra renda e aprofunda a desigualdade entre ricos e pobres, entre os grandes e os pequenos capitalistas e entres estes e os assalariados, agravam-se as relações sociais no mercado de trabalho. Mas há algo que permanece fundamental: o direito do ser humano a uma vida digna. Esta pedra fundamental deve ser defendida e preservada por todos nós, sob pena de perdermos toda capacidade de vida civilizada.

Felizmente, a história do trabalho humano é de lutas intensas, mas também de conquistas. Dentre esse mundo de conflitos, o Direito do Trabalho é um pilar fundamental da história moderna, forjado que foi nas lutas sociais de várias gerações, desde a Revolução Industrial, passando pelas sucessivas crises econômicas do capitalismo até os nossos dias. Conquanto tão criticada, a legislação trabalhista representa uma conquista dos trabalhadores, digna de ser festejada neste Dia do Trabalho. O Direito do Trabalho é uma resposta histórica ao clamor por dignidade e respeito aos direitos daqueles que todos os dias vendem sua força de trabalho a fim de suprirem suas necessidades e satisfazerem seus sonhos. Ele foi constituído justamente para defender o trabalhador corrigindo as situações de desigualdades e reequilibrando as relações patrão-empregado.

O Ministério Público do Trabalho também é uma conquista dos trabalhadores, especialmente quando, a partir da Constituição Federal/88, foi definido como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tendo como principal incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desde então, o Ministério Público do Trabalho tem produzido muitos resultados concretos, principalmente na erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho do adolescente, no combate ao trabalho escravo e degradante, combate a toda forma de discriminação no trabalho, preservação da saúde e segurança do trabalhador e outros. Quanto mais precária a relação de trabalho, quanto mais dependente do salário o trabalhador, maior a importância da atuação do Ministério Público em defesa dos direitos ameaçados.

Os tempos são de transformações e dilemas. Muitas questões permanecem em aberto. A legislação e os poderes públicos existem para dar estabilidade, embora, justamente para cumprir suas funções, eles também devam se adequar às novas circunstâncias sociais. Nestes tempos de não-reflexão, é necessário refletir e agir em defesa do ser humano. Nós haveremos de encontrar uma forma de diminuir as desigualdades entre os lucros do capital e dignidade do trabalho, fazendo as escolhas mais condignas da paz, preservando os direitos fundamentais dos trabalhadores. Quem sabe o Dia do Trabalho seja, assim, um dia de comemorar a realização de sonhos e um marco de paz e justiça social.

Lair Carmen Silveira da Rocha Guimarães é procuradora-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 9.ª Região/MPT/PR.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]