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| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Como constitucionalista não posso deixar de destacar que o direito à saúde é fundamental. Tem previsão na Constituição tanto no artigo 6.º quanto no artigo 196. É um direito social, de garantia a contínua existência de nossa sociedade, sendo um dever do Estado, “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A Constituição reservou a sociedade, ao indivíduo e ao Estado o dever de cuidado com a saúde. Somos responsáveis, como bons cidadãos, por trabalhar para promover uma vida saudável e evitar a contaminação dos demais indivíduos. No que tange ao Estado, os deveres são maiores. O Sistema Único de Saúde (SUS, veja artigo 198) reforça a obrigação de atuação concomitante de todos os entes federados (artigo 23).

Além disso, por serem considerados de relevância pública (artigo 197), as ações e serviços de saúde integram a exploração direta de atividade econômica pelo Estado (artigo 173), sem prejuízo a atuação da iniciativa privada (artigo 199) de forma a complementar o SUS.

Somos responsáveis, como bons cidadãos, por trabalhar para promover uma vida saudável e evitar a contaminação dos demais indivíduos

A saúde está inserida na ordem social, especificamente na seguridade social, tendo como princípios que destaco: seletividade e distributividade na prestação dos serviços, universalidade da cobertura e do atendimento, e uniformidade e equivalência dos serviços às populações urbanas e rural (artigo 194).

Como internacionalista não posso deixar de citar que a previsão constitucional vem no esteio da Declaração Universal dos Direitos Humanos que reconheceu, a partir de 1948, a saúde como direito inalienável de toda e qualquer pessoa, além de um valor social a ser perseguido por toda a humanidade. Como parte do sistema ONU espera-se ações concretas tanto no âmbito global como em nível de arranjos regionais.

De responsabilidade do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas destaco a de formular recomendações para os membros do fórum e da ONU, e também a de implementar os objetivos de desenvolvimento globais. Por isso, foram criados órgãos técnicos de amparo a consecução desses objetivos, dentre eles a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse fórum, a saúde é definida como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade”.

Leia também: Um acordo feito nas sombras (editorial de 27 de novembro de 2018)

Leia também: Médicos: nem mais, nem menos (artigo de João Brainer Clares de Andrade, publicado em 21 de novembro de 2018)

Habilitado como arranjo regional junto a OMS está a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Ela é bem anterior à fundação da OMS (1948), tendo começado suas atividades em 1902, ou seja, conta com mais um século e década de experiência, dedicado a melhorar as condições de saúde dos países das Américas. A Opas é descrita como existente para exercer “papel fundamental na melhoria de políticas e serviços públicos de saúde, por meio da transferência de tecnologia e da difusão do conhecimento acumulado por meio de experiências produzidas nos países-membros, um trabalho de cooperação internacional, promovido por técnicos e cientistas, especializados em epidemiologia, saúde e ambiente, recursos humanos, comunicação, serviços, controle de zoonoses, medicamentos e promoção da saúde”. Forte exemplo de sua atuação é o programa Mais Médicos, criado em 2013. A iniciativa é composta por três eixos: 1.º melhoria da infraestrutura nos serviços de saúde; 2.º provimento emergencial de médicos, tanto brasileiros (formados dentro ou fora do país) quanto estrangeiros (intercambistas individuais ou mobilizados por acordos com a Opas); 3.º ampliação de vagas nos cursos de medicina e nas residências médicas, com mudança nos currículos de formação para melhorar a qualidade da atenção à saúde.

Repare que o programa está coerente com os objetivos de promoção, proteção e recuperação da saúde, assim como os princípios da seguridade social, especialmente no que diz respeito a capilarização do SUS, com forte ampliação do apoio via medicina preventiva.

Entretanto, o programa Mais Médicos está ameaçado de extinção depois que, provocado por anúncios do governo de transição no Brasil, o governo cubano decidiu encerrar sua participação no programa. Cerca de 8.300 médicos cubanos do Mais Médicos deverão deixar gradualmente o programa até a data prevista de 12 de dezembro deste ano. Além disso, ainda havia 1.000 vagas aguardando reposição de médicos cubanos que sequer foram listadas e que não serão ocupadas.

Leia também: O Mais Médicos sem os cubanos (editorial de 21 de novembro de 2018)

Leia também: Cuba chama os médicos de volta (editorial de 15 de novembro de 2018)

O país vem sofrendo há tempos com a carência, tanto de infraestrutura em locais remotos quanto de profissionais dispostos a trabalhar nesses locais. Com isso, grande parte da população fica sem um direito fundamental e sem efetividade de um direito humano básico. Com a revisão do programa de ensino, ampliando os currículos nas áreas de atividade clínica, saúde da família e medicina preventiva, espera-se que uma nova geração de profissionais poderá atuar onde havia carência.

Toda a população espera que profissionais assumam a responsabilidade para com os co-cidadãos e se inscrevam para ocupar todas as vagas abertas e ainda as solicitadas pelas municipalidades, porém, ainda não incluídas no programa.

Vladimir Feijó é professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.
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