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O direito de questionar as instituição e o caso de Marcos Cintra
| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Após as eleições, e em razão de uma isolada publicação em que fez questionamentos e pediu respostas ao TSE sobre o resultado das urnas, o renomado economista e professor Marcos Cintra, que por toda a sua vida vem prestando relevantes serviços à democracia brasileira – foi candidato à vice-presidente na chapa encabeçada pela senadora Soraya Thronicke –, viu-se, da noite para o dia, incluído no denominado Inquérito das Milícias Digitais instaurado no STF para investigar uma “organização criminosa, com forte atuação digital, que se articularia em diversos núcleos – político, de produção, de publicação e de financiamento –, com a finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito no país”. Além de passar a ser investigado, foi determinada a sua oitiva em 48 horas pela Polícia Federal e o bloqueio de seu perfil no Twitter por tempo indeterminado.

Na decisão judicial, consta que “conforme se verifica, Marcos Cintra utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas, notadamente o Tribunal Superior Eleitoral, bem como o próprio Estado democrático de Direito, o que pode configurar, em análise preliminar, crimes eleitorais”.

Como sabemos, a Constituição da República proíbe a censura prévia, mesmo porque implica em um juízo de “futurologia” do que será escrito por alguém, ainda mais tratando-se de uma pessoa como Marcos Cintra cujo histórico de vida é impecável.

Marcos Cintra, homem público e de reputação ilibada, que nunca foi ativista político, não participa de manifestações de rua e não faz parte de nenhum grupo organizado de militância partidária, deparou-se, em razão de uma isolada publicação que fez em seu perfil do Twitter (onde não fez nenhuma acusação ou ofensa, mas um questionamento pedindo resposta), com o constrangimento da Polícia Federal bater às portas do prédio onde reside para intimá-lo pessoalmente a depor, não obstante já tivesse, por e-mail, confirmado o recebimento da intimação. Prestou depoimento no último dia 23 de novembro.

Insurgindo-se contra a medida adotada em face de Marcos Cintra, a vice-procuradora-geral da República, Lindora Araújo,apresentou recurso de Agravo Regimental requerendo a anulação da decisão, alegando que a iniciativa dessa medida foi adotada de ofício, isto é, sem representação da Polícia Federal e tampouco pedido do Ministério Público, contrapondo-se ao princípio acusatório de que o Judiciário só pode agir mediante provocação, sob pena de perder a sua imparcialidade. Outro ponto mencionado pela procuradora foi que na decisão não se apontou especificamente qual o crime pelo qual estaria sendo ele investigado e que a veracidade da publicação não foi objeto de prévia investigação. Por fim, sustentou, caso não fosse a decisão anulada, que a investigação deveria ser encaminhada à primeira instância por absoluta falta de competência do STF.

O próprio Twitter igualmente recorreu com Agravo Regimental contra essa medida, entendendo-a como censura prévia, uma vez que bastaria o ministro determinar a exclusão única e exclusiva do isolado “post”, mesmo porque a grande maioria dos comentários do professor Cintra se restringe a assuntos econômicos, como a criação do Imposto Único. Ambos os agravos pendem de julgamento.

Como sabemos, a Constituição da República proíbe a censura prévia, mesmo porque implica em um juízo de “futurologia” do que será escrito por alguém, ainda mais tratando-se de uma pessoa como Marcos Cintra cujo histórico de vida é impecável. Isso não se confunde com a censura a posteriori, retirando das mídias conteúdos que violem direitos de outras pessoas, como a honra, ou que ofendam outros bens jurídicos protegidos pelo Estado. Lembramos, aqui, a clássica lição de Montesquieu: o meu direito vai até onde começa o do outro.

Por sua vez, o delito de fake news é assim tipificado no art. 323 do Código Eleitoral: “Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado: Pena – detenção de 2 meses a 1 ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa”.

Ao ser ouvido pela Polícia Federal, o Professor Marcos Cintra esclareceu que, como cidadão fez uma indagação ao TSE, visando obter respostas para a própria defesa do sistema eleitoral. Informou que recebeu uma lista das urnas apuradas e passou a analisá-la, acessando os links oficiais do TSE que lá estavam incluídos, nas 143 seções em que o candidato eleito teve 100% dos votos. Com sinceridade, ficou intrigado e conjecturou se isso seria possível diante dos relatórios dos Institutos de Pesquisa como o Data Folha que mostravam estarem os candidatos próximos.

Indagou ao TSE – que dispõe em seu site informações sobre se fatos são “fake” ou “verdadeiros” –, se esses resultados unânimes, alguns ocorridos em aldeias indígenas e quilombolas, não teriam sido eventualmente resultado de induzimento de eleitores ou, ainda, se não poderia ter havido um eventual “bug” no sistema a justificar esse contraste entre as pesquisas e os resultados unânimes dessas 143 seções eleitorais, expressamente dizendo que, se existisse, certamente esse fato não seria de conhecimento do TSE. Afirmou também: “Acredito na legitimidade das instituições”.

Esclareceu à Polícia Federal que realmente houve um erro em sua publicação ao qual foi induzido quando recebeu, como milhares de cidadãos, a citada lista com mais de 477 mil urnas e seus resultados, com links do TSE. Apesar de ter verificado diversos links no site do TSE, por amostragem, todos confirmando a exatidão das informações, nesse documento com letras de bula de remédio, não constava que Bolsonaro havia tido votação unânime em quatro seções eleitorais (0,001%), vindo a saber disso somente depois que o seu perfil do Twtter estava suspenso, não tendo como retificar o seu post. Com integridade de caráter, Marcos Cintra comprometeu-se a retirar a sua postagem, assim que seu perfil fosse desbloqueado, mesmo porque continha de fato esse equívoco.

Como advogado, defendo que jamais se configurou a infração penal de menor potencial ofensivo do art. 323 do Código Eleitoral, seja porque em novembro já estavam encerradas as eleições, seja também por ser tratar de delito que exige dolo, o que jamais se verificou no caso, tendo o professor sido também vítima dessa incompleta lista quanto a essas quatro sessões eleitorais unânimes ao candidato derrotado.

Entendo que em uma democracia todo cidadão tem o direito de fazer questionamentos e pedir esclarecimentos às autoridades, desde que o faça de forma sincera e respeitável. Acredito, igualmente, que não constitui ilícito penal manifestar opinião no sentido de que a implementação de urnas eletrônicas de última geração, com a impressão dos votos à parte, seria um fator positivo para o sistema eleitoral brasileiro.

Ao pedir esclarecimentos ao TSE, o professor Marcos Cintra jamais atentou contra as Instituições, contra o sistema eleitoral e contra o Estado Democrático de Direito, não tendo praticado nenhuma infração penal. Espero sinceramente que o STF faça justiça ao excluir o professor Marcos Cintra, como homem probo que é, dessa investigação criminal, restituindo-lhe o  direito de manifestar o seu pensamento em publicações no Twitter.

Roberto Delmanto Jr. é advogado.

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