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O e-commerce chegou prometendo o mundo. Estamos satisfeitos com nossa compra?
| Foto: Pixabay

"Por que alguém haveria de querer comprar alguma coisa on-line?" Essa foi a pergunta que Guy Haskin Fernald, na época aluno de Ciência da Computação de Swarthmore, se lembra de ter ouvido quando começou a trabalhar em um dos primeiros sites de comércio eletrônico do mundo, o NetMarket, em 1994. Hoje pode parecer ridículo, mas, naquele momento, só os acadêmicos e os geeks usavam a internet; o resto da humanidade, que fazia compras no shopping center, não.

Pois foi 25 anos atrás, num 11 de agosto, que se respondeu à questão de Fernald, depois que ele ajudou a fundar o NetMarket e foi realizada aquela que é amplamente considerada a primeira transação eletrônica segura do mundo.

O fato de ter acontecido naquele momento, nem antes, nem depois, tem muito a ver com o progresso tecnológico, mas também com a política e os negócios no início dos anos 90. E, se ela previa um mundo comercial totalmente novo, também foi restringida pelos limites de 1994.

A metade da década de 1990 foi um período para lá de empolgante: a internet, com todas as suas promessas, estava só no início, mas se expandia rapidamente; a Fundação Nacional para a Ciência tinha criado o NSFnet, considerado o primeiro backbone das redes que compõem a internet, em 1985. O número de hospedeiros explodiu de 2 mil naquele ano para 2 milhões em menos de uma década.

O progresso tecnológico se fundiu à revolução política; a Guerra Fria tinha acabado apenas alguns anos antes, e o Ocidente ganhara porque parecia que os mercados e as sociedades livres se reforçavam mutuamente. O comércio eletrônico expressava o otimismo recém-descoberto sobre as liberdades civis e o crescimento econômico.

Quando os Estados Unidos se recuperaram da recessão de 1991, a intenção do governo federal, com um presidente e a maioria do Congresso democratas, era encorajar o crescimento, ao mesmo tempo equilibrando o orçamento e adotando o livre comércio externamente. Os legisladores rejeitaram as taxas de acesso e a responsabilidade limitada da plataforma, e, mais importante, legalizaram a criptografia de chave pública. O governo Clinton, que a princípio foi conflituoso, acabou tomando decisões importantes para liberar e defender a internet comercial.

Se estamos um pouco mais conscientes hoje das deficiências do comércio eletrônico do que em 1994, continuamos também cautelosamente otimistas

A primeira venda por meio do NetMarket foi de uma lojinha de CDs de New Hampshire chamada Noteworthy; o primeiro comprador, outro aluno de Swarthmore, Phil Brandenberger, que entrou no portal para comprar um álbum de Sting e pagou com cartão de crédito, processo mais que comum hoje em dia, mas que em 1994 era tão futurista que rendeu um artigo no The New York Times.

Já o resto da humanidade demorou algum tempo para aprender a confiar nos sites de comércio eletrônico.

Os defensores da época faziam questão de enfatizar o livre comércio. De fato, os primeiros elementos constitutivos da infraestrutura comercial on-line eram na maioria gratuitos. Muitas das tecnologias essenciais nasceram nos meios acadêmicos e na contracultura cibernética: os sistemas operacionais de fonte aberta como o Unix, os softwares de servidor como o Apache, os protocolos de segurança como o Secure Sockets Layer e as linguagens de programação como Java possibilitaram a realização de muitos aspectos da loja digital. A base fundamental da internet, o protocolo de rede de comutação de pacotes chamado TCP/IP, já existia havia duas décadas, mas foram essas novas tecnologias, construídas em cima dela, que criaram aplicações como os navegadores.

Para o comércio eletrônico dar certo, era preciso superar uma contradição inata de sua base: se os pacotes de informações que se movimentavam na internet eram abertos, como seria possível transferir as informações financeiras de forma segura? A resposta foi a criptografia de chave pública, que estava, naquele momento, passando de arma da Guerra Fria com regulamentação rígida para a esfera pública.

O acesso inicial à criptografia robusta foi feito pelos ativistas, que criaram maneiras de os defensores dos direitos civis protegerem a comunicação entre si dos governos repressivos. A tecnologia, conhecida como Pretty Good Privacy, não era fácil de usar, mas, quando o Netscape lançou uma versão da criptografia de chave pública, a Secure Sockets Layer, em seu navegador, em 1995, o processo já era fácil e dissimulado. A internet aberta podia se tornar segura a ponto de permitir que os números dos cartões de crédito, como também outras informações sensíveis, fossem transferidos com facilidade.

O comércio eletrônico ajudou a nos manter "escondidos" dos governos por meio da criptografia, mas também nos escancarou para as empresas das quais compramos. O famoso cookie, inventado por Lou Montulli, do Netscape, criava um identificador único toda vez que um navegador se conectava a um site; ele nos permitia ter um carrinho de compras on-line, mas foi também o primórdio para o rastreamento na internet. O e-commerce legitimou a criptografia de uma forma a que nem os governos conseguiram resistir, mas também promoveu o rastreio do consumidor como também não teríamos condições de fazer.

A infraestrutura comercial do início dos anos 90 possibilitou o comércio eletrônico de formas que iam além da criptografia – e o período também marcou o momento em que a securitização do cartão de crédito realmente deslanchou. Em 1990, apenas 1% das dívidas contraídas pelos norte-americanos no cartão de crédito era securitizado; em 1997, esse montante já pulara para 51%. Os pagamentos eletrônicos possibilitados pelos cartões se tornaram mais fáceis que nunca.

Se o cartão de crédito permitiu a venda, a gestão da cadeia de fornecimento possibilitou a entrega. Durante os anos 70, o Walmart conquistou uma revolução mercadológica por meio do inventário computadorizado e da administração logística; nos anos 80, outras corporações, para tentar acompanhar, começaram a gerenciar suas cadeias de fornecimento. Com o comércio eletrônico ainda em seus estágios iniciais, os especialistas do setor já davam duro, pensando em como usar dados para otimizar suas cadeias de suprimentos agora globais.

O Acordo de Marrakesh, de 1994, que estabeleceu a Organização Mundial do Comércio, com 123 países, em 1995, tornou esses fluxos mais fluidos do que nunca. Essa interconexão econômica cada vez maior, o fato de não haver guerras amplas e a relativa estabilidade política da época, um tanto anormal na história humana, representaram a combinação geopolítica correta para permitir a reunião e a concretização das inovações técnicas por trás do comércio eletrônico, que parecia andar lado a lado com o triunfo da democracia ocidental e do capitalismo logístico.

Hoje, obviamente sabemos que não há tal determinismo nem na internet, nem no comércio eletrônico. O que há, entretanto, é um problema estrutural semelhante ao de 1994: falta de confiança. A privacidade do consumidor e a segurança das transações continuam sendo um desafio para o e-commerce em âmbito global, e não se sabe se tudo vai acabar bem. Aqui nos Estados Unidos, continuamos com dificuldades em saber como equilibrar a privacidade e os negócios para preservar as liberdades civis e o comércio livre. As antigas dificuldades do capitalismo e da sociedade continuam as mesmas; o que mudou foi a aparência.

Se estamos um pouco mais conscientes hoje das deficiências do comércio eletrônico do que em 1994, continuamos também cautelosamente otimistas – pelo menos se nossos gastos on-line, cada vez maiores, representam nossas crenças. Se no início ele dependia de nossa confiança, no futuro dependerá menos da próxima tecnologia revolucionária e mais de como escolheremos criá-la e usá-la de forma confiável, da mesma forma que fizemos em 1994.

Louis Hyman é professor de História e diretor do Instituto de Estudos de Local de Trabalho de Cornell. Kwelina Thompson estuda no mesmo instituto. Ambos são autores do estudo de pesquisa "The history of e-commerce", do qual este artigo foi adaptado.

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