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A expressão "a inflação aleija, mas o câmbio mata", proferida pelo ministro Mário Henrique Simonsen por ocasião dos embaraços provocados pelo desequilíbrio externo brasileiro dos anos 1970, vem sendo transportada para os dias de hoje, como uma espécie de justificativa para a promoção de depreciações na taxa de câmbio acompanhadas de afrouxamento do controle inflacionário.

Por certo, a inflação inibe o papel de coordenação das atividades exercido pelo sistema de preços, ao se propagar de forma heterogênea sobre o sistema econômico, prejudicando os agentes com menor capacidade de defesa, sobretudo os assalariados, e beneficiando aqueles com maior poder de mercado e/ou com capacidade de utilização dos espaços institucionais criados para a proteção dos haveres, especialmente no mercado financeiro.

Adicionalmente, o cenário de instabilidade e desorganização derivado do fenômeno inflacionário, encurta a previsibilidade e subtrai as atividades de planejamento de longa maturação das organizações, em favor do gerenciamento de curto prazo, comprometendo o potencial de crescimento econômico e de geração de empregos, conformando a condição do corpo aleijado. O próprio remédio antiinflacionário, centrado na compressão da demanda (juros) e oferta (crédito) também seria nocivo às ações direcionadas à elevação do produto econômico.

No caso do câmbio, a necessidade de obtenção de divisas estrangeiras para a cobertura do serviço da dívida externa e/ou de controle da inflação impõe a priorização da política monetária, por meio da fixação de juros internos bastante acima da média internacional, abrindo flancos para a ocorrência de múltiplos impactos adversos como a atração de capitais especulativos, a sobrevalorização cambial, o enfraquecimento da demanda externa e dos segmentos internos a ela articulados e a substituição de produção doméstica por importações de diferentes itens da matriz nacional.

Em um panorama de predominância das transações financeiras nos negócios envolvendo as taxas de câmbio (transformada em ativo financeiro desprovido de custos de produção), principalmente com moeda e ativos estrangeiros, em detrimento das operações comerciais, como reflexo da orientação monetária restritiva, delineia-se a morte dos níveis de renda, emprego e salários de distintos ramos de atividade.

Nesse particular, emergem equívocos de origem, dado que o alcance da austeridade monetária estaria restrito ao combate de focos inflacionários de demanda (déficit público, acréscimos de salários reais superiores à produtividade e ampliação real da oferta de crédito). Aliás, os juros reais elevados pagos aos capitais especulativos, em regime de livre flutuação cambial, praticamente anularam o enorme esforço exportador empreendido nos últimos anos, particularmente pelo setor privado, que resultou na reversão dos déficits em transações correntes do país desde 2002.

Ao mesmo tempo, é interessante recordar que o câmbio, associado ao cumprimento dos requisitos básicos de competitividade sistêmica (juros, tributos, infra-estrutura, regulação, burocracia, inversões em inovação, oferta e preço dos capitais de empréstimo, ambiente ao capital de risco etc.), representa instrumento crucial na definição da posição produtiva e comercial das empresas e dos diferentes países em ambientes globalizados, ao determinar a otimização no processo de alocação de recursos entre os ramos produtivos e o curso da demanda agregada.

Nesse contexto, na falta de uma estratégia consistente e articulada de redução de juros e de aprofundamento do ajuste fiscal de longo prazo, a realização de artificialismos nos mercados cambiais implicaria riscos de retorno da espiral inflacionária e, por extensão, de apodrecimento precoce dos frutos bons propiciados pelo lado das vendas externas e do mercado de trabalho pós-desvalorização.

Até porque, como o veneno mortal do câmbio, proveniente dos juros elevados, só se aplicaria as situações de desequilíbrio no balanço em transações correntes, o que não seria o caso presente do Brasil, não valeria a pena produzir mais desculpas para a aplicação de novas rodadas de austeridade monetária destinadas à neutralização das pressões altistas e ao prosseguimento da garimpagem de recursos externos, especialmente quando não existe qualquer indício de inflexão na curva da cotação do dólar frente ao real.

Diante disso, afigura-se oportuna a aceleração da redução dos juros, tangenciada por indicações firmes de perseguição da recuperação da capacidade fiscal, gerencial e de coordenação, regulação e indução do Estado – fortemente debilitada pelos requerimentos eleitorais, pelos juros e pelas contas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) –, e de resgate da função de sinalizador das expectativas dos agentes, tradicionalmente cumprida pela maior flexibilidade da administração do câmbio, com controle dos fluxos de capitais no sentido da preservação dos preceitos de competitividade.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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