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O financiamento privado é alternativa factível para o investimento no Brasil?
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Enfrentamos o menor patamar já atingido na série histórica da taxa de juros da economia brasileira, desde o início do regime de metas de inflação. É normal que a maioria das pessoas não consiga captar o poder desta mensagem; então, provoque-se a indagação: qual o efetivo impacto desse índice sobre a qualidade das finanças nacionais? Pois bem, isto reduz o custo de captação de financiamento, por famílias e empresas, junto ao mercado financeiro. Mas por que isso é bom?

A diminuição da participação estatal em áreas que poderiam ser preenchidas, alternativamente, pela atuação do mercado é de suma relevância. Um dos assuntos que erigiam as mais graves polêmicas nos debates políticos recentes (o eleitor ainda deve recordar), em acusações de gastança indevida pelo poder público, envolvia a “caixa-preta” do BNDES. Ora, uma das formas disponíveis para evitar vazamentos ulteriores na torneira do erário é justamente apertar o seu registro: ao reduzir a importância do papel desempenhado pelos bancos públicos de financiamento, vaze a torneira ou não, ela não gotejará. Além disso, a manutenção deste tipo de política a cargo exclusivo do Estado tem como resultado um filme a que nós já assistimos: o bom financiamento somente disponibilizado aos “amigos do rei”, os grupos empresariais com relacionamento próximo ao governo obtendo tratamento preferencial e o desfrute de um crédito subsidiado muito mais barato que o financiamento médio alcançado pelos seus concorrentes (gerando assimetria no mercado).

As carteiras precisarão ser repensadas e adequadas à nova realidade, incorrendo em novos riscos estranhos ao investidor comum

O enxugamento da carteira de projetos abrangidos pelo BNDES é uma medida acertada do governo; o modelo de financiamento que sustentou o crescimento em boa parte do século passado não é mais capaz de viabilizar os investimentos necessários para que o Brasil volte a crescer. Contudo, não é possível promover este conjunto de medidas a qualquer momento; o país precisa garantir que um nível de investimentos compatível com a promoção do crescimento econômico esteja disponível. Caso este financiamento não seja mais oferecido por meio de um banco de desenvolvimento público, deverá viabilizar-se por formas alternativas. A escassez de fontes privadas de financiamento pode levar as empresas a se restringirem ao financiamento por recursos próprios – ao buscar credores no mercado, algumas companhias obtêm somente crédito suficiente para refinanciar seu passivo e capital de giro (em 2017, apenas 2,4% das emissões foram direcionadas para investimentos, e menos de 10% tinham prazo acima de dez anos).

Essa ausência de capital no longo prazo restringe os investimentos em projetos novos. Acontece que o mercado privado de capitais é capaz de satisfazer tais necessidades e, atualmente, sua fatia no financiamento já ultrapassa os desembolsos do BNDES. As sucessivas quedas na taxa de juros e a menor oferta de crédito público subsidiado são motores necessários e suficientes para impulsionar tal mudança. Neste primeiro semestre, a captação das companhias via mercado de capitais superou a média do período para os últimos oito anos e as debêntures incentivadas (regidas pela Lei 12.431/2011) bateram o recorde de emissões desde sua criação – as debêntures incentivadas destinam-se ao financiamento de projetos voltados ao investimento no setor de infraestrutura; sua emissão é aprovada pela Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura e suas aplicações são isentas do imposto de renda.

No cenário anterior, em que os juros batiam na casa dos 14,25%, era fácil obter altos retornos com baixo risco. Ou seja, há pouco tempo, sem ter de incorrer em quase nenhum risco, era possível obter seus 1% de retorno mensal sem dor de cabeça. Essa já não é mais a realidade encarada. O título do tesouro (títulos da dívida pública) lastreado na Selic (taxa básica de juros definida pelo Banco Central) é um dos ativos mais seguros para investimento, pois, além de garantir resgate diário (mitigação do risco de liquidez), não tem oscilação de preço na cota (mitigação do risco de mercado) e é garantido pelo governo (mitigação do risco de crédito). Contudo, esta celebrada aplicação em renda fixa, que até 2016 rendia 14,25% ao ano, agora paga somente 6% (menos impostos) – com perspectivas de descer a 5% ao ano.

Neste cenário de arrocho nos retornos financeiros, o investidor terá de migrar para aplicações com maior risco se quiser perceber rentabilidade efetiva em seus investimentos. Aí que entra o mercado privado de capitais, pois as empresas, que agora gozam de maior facilidade para cobrir os juros remunerados pelo governo, podem emitir debêntures com um ágio mais atrativo; da mesma forma, ficou mais barato para as instituições financeiras captarem recursos por meio de CDBs, possibilitando a superação da rentabilidade oferecida pelos títulos públicos federais com maior folga. Em adição, é expectável que boa parte dos investidores migre para o mercado de renda variável também (ações, por exemplo), impulsionando o valor das companhias negociadas na B3.

As carteiras precisarão ser repensadas e adequadas à nova realidade, incorrendo em novos riscos estranhos ao investidor comum, como a mudança diária de preços/cotações (risco de mercado), pagamento incerto de instituições devedoras menos solventes que o governo (risco de crédito) e, mesmo permanecendo em renda fixa, o alongamento dos prazos e vencimentos a fim de perceber retornos mais vantajosos (risco de liquidez). Todavia, é natural que seja necessária a tomada de risco para obtenção de retorno – a relação linear entre risco e retorno é a regra do racional econômico em qualquer lugar do mundo – e é extremamente benéfico que se desonere o Tesouro Nacional e a carteira do endividamento público. Ceteris paribus, este movimento deverá se enquadrar em linha com o desenvolvimento das empresas e com a melhoria dos índices financeiros no país.

A despeito da resposta que poderia solucionar a indagação sugerida pelo título, é possível vislumbrar que o novo cenário prospectado é mais justo, impessoal, livre e eficiente.

Filipe Brand, economista, é chefe de divisão no Ministério da Infraestrutura e especialista no Instituto Millenium.

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