• Carregando...

Adepto confesso da tática escapista de empurrar as decisões com a barriga, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de justificar, com o malabarismo do jogo de palavras, os sucessivos adiamentos da reforma ministerial, que rola em ladeira suave há mais de cem dias, desde a reeleição com o recorde dos mais de 60 milhões de votos.

Enquanto sorvia os goles do café do seu programa radiofônico, amontoou os cascalhos das justificativas na série de lances de chefe de estado. Mestre na nobre arte de esgrimir o vernáculo, a cada pronunciamento a fila das procrastinações coleciona um novo apelido: da consolidação da base partidária para sustentar a epopéia do Programa de Aceleração do Crescimento (consagrada na sigla eufônica de PAC) passou de raspão pela espera do troca-troca do nosso sólido sistema partidário e agora estaca, com o tranco do freio, no processo de realinhamento partidário.

À espera do realinhamento partidário do Congresso – que não cultiva a fidelidade às legendas de portas escancaradas, como as casas que recebem hóspedes –, a remontagem do mitológico monstrengo do maior ministério de todos os tempos, com gabinetes divididos em tabiques que separam os 34 ou 35 ocupantes em ministros e secretários com status de ministro, pode demorar dias, semanas, meses.

Na verdade, com ou sem reforma, não está fazendo falta. O presidente encontrou uma dirimente catita para a lenta caiação: a rotina administrativa está sendo empurrada com razoável eficiência. O que não é bem assim. Por linhas cruzadas, a ressalva foi explicitada na corajosa declaração do diretor da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Waldemar Araújo, ao analisar os índices de acidentes nas rodovias federais nos seis dias da operação no período do carnaval: subiram para 2.417 acidentes contra os 2.336 do ano passado, um crescimento de 8%. Mas o diretor da CNT vai mais fundo ao desmascarar o otimismo da Polícia Rodoviária Federal sobre a melhoria das condições da rede rodoviária com a operação tapa-buraco, peça da campanha da reeleição. E bate firme na bigorna: "Não é verdade, foi uma pseudomelhoria". E, no fecho: "O asfalto foi apenas recauchutado. O motorista pegou trechos ruins e depois, nos trechos melhores, tenta recuperar o atraso correndo muito e acaba batendo".

Não é tudo. Falta o melhor. Ao esticar a recauchutagem ministerial até onde o elástico suporte, o presidente está oferecendo de bandeja ao distinto público duas prendas interligadas. A que o país saboreia com gosto e gula é o recado de tranqüilidade de um governo tão sereno que se permite ao requinte de conceder-se uma informal licença-prêmio coletiva.

Na moita, sem alardear a sua fina sabedoria, desde a campanha eleitoral, emendando na reeleição e na posse com a transferência da faixa de uma mão para a outra, toca o expediente mínimo, com a exceção do núcleo do Planalto, comandando pela virtual presidente em exercício – a poderosa chefe do Gabinete Civil, ministra Dilma Rousseff, que articula as manobras para a acomodação dos aliados no balaio oficial. Lula desativou o governo, à meia-bomba, há mais de três meses.

No Congresso, a crise ética que bateu os recordes de desmoralização espreme os novos dirigentes das duas Casas no constrangimento de mostrar serviço nos estreitos espaços de manobra. A vassourada para valer teria de começar pelo enxugamento da cascata das mordomias, vantagens, benefícios e outras mutretas que enfeitam o mandato parlamentar com as miçangas de um dos melhores empregos do mundo, com ganhos mensais que dançam ao redor dos R$ 100 mil.

Mas a verba indenizatória para ressarcir as despesas no fim de semana na base eleitoral ou a escabrosa verba para a contratação de assessores para os gabinetes de suas excelências são tão intocáveis como a semana útil de dois a três dias. O jeito é cuidar da faxina da copa e cozinha, em meio à resistência do corporativismo de gula insaciável.

Governo e Congresso não cuidam da opinião pública. Não duvido de que o presidente acredite piamente que o minueto da troca de ministros seja um assunto apaixonante que alimenta polêmica nas esquinas, na discussão nos botecos, nas reuniões familiares e nas rodas de amigos. Com as torcidas a favor e contra lideranças do porte do deputado Geddel Vieira Lima, flor do PMDB baiano, ou do petista Walter Pinheiro – apenas exemplos colhidos ao acaso no cesto dos notáveis.

Villas-Bôas Corrêa é analista político.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]