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Quem apenas obedece não tem oportunidade de treinar sua faculdade de escolha, e, portanto, será alguém menos acos­­tumado a, e preparado para, escolher

Vem ganhando espaço – e gerando polêmica – na mídia a chamada pedagogia da mãe chinesa. Ao invés de deixar os filhos brincarem e dormirem na casa de amigos, a mãe chinesa (que não precisa ser chinesa; há mães de todos os países que fazem o mesmo) os obriga a estudar a noite toda. Numa prova ou campeonato, o importante não é "dar o seu melhor", e sim ser o primeiro. Diversão é para os fracos e autoestima para os perdedores. Se o filho encontra uma barreira e quer desistir, ela o obriga a tentar de novo, com humilhações e, quem sabe, punição física.

Os métodos da mãe chinesa estão na contramão das teorias educacionais mais avançadas do Ocidente. O problema, o fato desconcertante, é que eles funcionam. Depois de muito chorar, levado adiante apenas pela coerção materna, o filho se supera. Não é preciso procurar muito para encontrar evidências do sucesso acadêmico, profissional e técnico dos chineses e daqueles que recebem educação similar; considere a proporção deles nas universidades comparada à sua proporção na população total.

O que isso diz sobre a nossa pedagogia, mais liberal e voltada aos interesses e gostos da criança? Por um lado, a mãe chinesa nos lembra de algo que é, ou deveria ser, senso comum: desejos momentâneos não são o melhor guia do aprendizado. Pelo contrário: parte importante da educação é fazer com que a criança não ceda aos impulsos imediatos; torná-la apta a escolhas que no curto prazo são custosas para auferir benefícios futuros. Estudar e treinar para além da mera diversão exige uma postura ativa dos pais em não ceder aos desejos volúveis do filho. Essa relativa restrição da liberdade no presente aumentará sua liberdade futura, conforme ele amadureça, pois tornar-se-á capaz de encabeçar projetos de longo prazo que, se seus desejos não tivessem sido educados desde pequeno, estariam fora de seu alcance.

Desconfio, contudo, que há um lado sombrio da mãe chinesa. Primeiramente, claro, por sua obsessão com o primeiro lugar. Não é possível uma classe, ou um campeonato, que só tenha vencedores. Por mais que todos treinem, um só vence. Como lidará com o fracasso daquele para quem vencer é pré-condição para o amor e o respeito dos demais?

Além disso, se podar um pouco a liberdade da criança forma um ser humano mais completo, mestre de si mesmo, eliminar essa liberdade faz dela um escravo. Quem apenas obedece não tem oportunidade de treinar sua faculdade de escolha, e, portanto, será alguém menos acostumado a, e preparado para, escolher; mais dependente, portanto, de escolhas e ordens alheias. Rigor técnico é importante, mas sem a visão clara de um objetivo pessoal e que ninguém mais pode fornecer, ele em nada contribui para a felicidade do indivíduo. A disciplina e o autocontrole servem para perseguimos da melhor forma aquilo que vemos como sendo o melhor; se são usados para que obedeçamos servilmente a ordens externas (da família, da sociedade, da empresa, do Estado) então eles podem até servir a alguém, mas certamente não a nós.

Da Engenharia Civil ao recital de violino, os chineses se destacam; mas e na cultura, o que a China tem criado de bom? A julgar pela taxa na qual os chineses adotam o Cristianismo e hábitos ocidentais, não muito. Por pelo menos três gerações eles foram ensinados apenas a obedecer cegamente, sob pena de morte. E agora, que começam a considerar a possibilidade de liderar? Aí, quando estamos no plano dos valores e dos objetivos que tornam a vida digna de ser vivida, faz falta a autoestima ocidental, que não é se gabar de qualidades inexistentes, mas sim ver em si o potencial para grandes feitos.

No Ocidente conhecemos os fins da educação: formar homens completos, capazes de escolher bem e – aqui a sabedoria da mãe chinesa tem a nos ensinar – ser bem-sucedidos naquilo que escolherem. Seria triste, contudo, se, por mera competitividade, priorizássemos os meios e perdêssemos os fins.

Joel Pinheiro da Fonseca é bacharel em Ciências Econômicas, mestrando em Filosofia pela USP e editor da revista cultural Dicta&Contradicta.

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