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O processo de impeachment de Dilma Rousseff já está em andamento. Tal afirmação parece estranha para quem se apega à definição tradicional desse instrumento, descrito como um processo político e jurídico. A estranheza ainda conta com o reforço do fato de a Câmara dos Deputados ainda não ter apreciado nenhum dos vários pedidos de impeachment protocolados na Casa.

No entanto, essa definição é insuficiente. O impeachment é um processo político, jurídico e social, sendo que este último tem o efeito “contaminador” fatal sobre os dois primeiros. Mesmo que exista vontade política e fundamentação jurídica, sem povo não há impeachment. É a nossa própria história recente quem diz.

Fernando Collor foi eleito com grande expectativa em 1989. O “caçador de marajás” se mostrou ele próprio um deles, além de um fiasco administrativo. Os escândalos de corrupção explodiram, o povo mostrou sua indignação nas ruas e arrasou a sustentação política de Collor no Congresso. O elemento jurídico veio de carona em um Fiat Elba. Mesmo com o argumento juridicamente frágil, os políticos, preocupados com sua própria sobrevivência, se livraram do presidente. Anos depois, Collor foi absolvido no STF. A fundamentação jurídica era frágil, mas o povo era forte.

Mesmo que exista vontade política e fundamentação jurídica, sem povo não há impeachment

Em 2005, estoura no governo Lula o mensalão. Um sistema de compra de votos no Congresso que colocava o Poder Legislativo a serviço do Poder Executivo e, assim, beneficiava diretamente o governo Lula. José Dirceu, o “capitão do time” de Lula, foi personagem central no escândalo e, no entanto, a figura popular do então presidente fez o povo permanecer inerte. Sem “contaminação” popular, mesmo havendo possibilidades jurídicas, o impeachment não passou de um palavrão. No ano seguinte, Lula foi reeleito pelo povo.

O caso de Dilma pode seguir um de dois caminhos. Eleita por Lula, Dilma cumpriu o mandato e foi reeleita para o segundo. A vitória por uma margem apertada de votos e as inúmeras denúncias sobre o sistema de votação eletrônica colocaram em xeque a legitimidade popular da presidente já no dia de sua eleição. Enfraqueceram a presidente suas declarações grotescas e a corrupção em proporções jamais vistas.

Some-se a isso a nova realidade de pessoas conectadas via redes sociais, em que o nível de compartilhamento de informações e a interação social alcançaram níveis tão altos quanto os de corrupção no governo. O resultado foi o surgimento de grupos organizados com disposição para disseminar os fatos e mobilizar o povo para pedir o impeachment, fato ausente na crise do governo Lula.

As manifestações de 15 de março e de 12 de abril, que levaram milhões de brasileiros às ruas para pedir o impeachment de Dilma, marcaram o início do processo de “contaminação” política para viabilizar a substituição da presidente. O impeachment deixou de ser palavrão, é possibilidade. O embasamento jurídico pode vir de diversas formas, principalmente via pedaladas fiscais.

Neste domingo, ocorrerão manifestações por todo o país e é imprescindível que um mar de brasileiros invada as ruas. Nossa experiência mostra que o processo de impeachment se inicia não quando a Câmara o aprecia, mas sim quando o povo passa a falar dele. É isso que possibilita a tomada das ruas, que é o que leva a política a respeitar o processo. Sem isso, nada acontece. O verdadeiro controle do processo de impeachment está na vontade do povo. Neste domingo, saberemos se o povo vai dar seguimento ao processo ou se vai arquivá-lo.

Paulo Martins é jornalista.
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