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O IOF e os limites do poder de tributar

Os ministros Simone Tebet (Planejamento) e Fernando Haddad (Fazenda): governo vai aumentar IOF e bloquear recursos para cumprir metas fiscais. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) por decreto presidencial, posteriormente validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), indica uma distorção preocupante no uso de tributos que deveriam servir a outras finalidades.

Criado para atuar como instrumento pontual de regulação econômica, o IOF tem funções específicas: controlar o crédito, influenciar o câmbio e equilibrar o sistema financeiro. Usá-lo como mecanismo de arrecadação permanente contraria sua finalidade original e compromete a lógica do sistema tributário.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes restabeleceu quase toda a vigência do decreto presidencial, com exceção da parte que tratava das operações de risco sacado. Segundo o relator, não houve abuso por parte do Executivo.

Mas a própria justificativa do governo ao editar o decreto deixa claro que o objetivo foi reforçar a arrecadação da União e cumprir as metas fiscais do ano. Ou seja, o IOF foi usado como uma fonte de receita, contrariando sua função legal e constitucional.

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Na prática, a medida encareceu o crédito e impactou empresas que precisam de financiamento. O aumento do imposto atingiu diretamente o custo de operações financeiras comuns no dia a dia de quem empreende

A economia já enfrenta entraves suficientes. Elevar o IOF para arrecadar mais agrava o ambiente de negócios e afeta decisões de investimento. Além disso, a repetição de mudanças por decreto esvazia o papel do Congresso e fragiliza os freios institucionais que protegem o contribuinte.

O Parlamento, ao tentar sustar o decreto, exerceu uma atribuição prevista em lei. O STF, ao suspender essa decisão e propor uma audiência de conciliação, abriu espaço para um diálogo entre os Poderes. Mas, ao final, prevaleceu uma decisão individual que manteve quase todos os efeitos do aumento.

A impressão é de que a tentativa de conciliação serviu mais como rito do que como real contenção. E a pergunta que continua sem resposta é direta: o que ainda separa um tributo regulatório de um tributo criado apenas para arrecadar?

A busca por equilíbrio fiscal é legítima. O problema está na escolha do caminho. Usar um imposto que deveria servir como ajuste econômico para cobrir déficit de caixa é uma distorção.

A Constituição prevê limites claros para isso. Ultrapassar essas barreiras compromete a coerência técnica do sistema e mina a confiança de quem produz, investe e precisa de previsibilidade para planejar o futuro.

O julgamento pode ter terminado, mas o precedente preocupa. Ao admitir o uso do IOF para fins arrecadatórios, abre-se espaço para que outros tributos percam sua finalidade original.

O risco é transformar exceções em regra, permitindo que qualquer aperto fiscal justifique aumentos sem o devido debate. Preservar a distinção entre arrecadação e regulação garante transparência e responsabilidade com quem sustenta o sistema.

Eduardo Ricca é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Atua há mais de 30 anos com consultoria e contencioso tributário.

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