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No primeiro semestre de 1997, como presidente da Comissão de Urbanismo e Obras Públicas, realizamos, na Câmara Municipal, junto com os ex-vereadores Jorge Samek, Borges dos Reis e outros, uma série de oito concorridos seminários, sempre às quintas-feiras, sobre o Plano Diretor de Curitiba, reunindo especialistas sobre o assunto. Gustavo Fruet, o atual prefeito, à época vereador de primeiro mandato, não perdeu nenhuma conferência, sentando sempre na primeira fila, todos os dias do evento.

Entre os conferencistas, três ex-prefeitos que tiveram participações importantes no Plano Diretor curitibano: Ivo Arzua Pereira, em cuja administração foi elaborado o primeiro Plano Diretor, em 1966; Jaime Lerner, que implementou as medidas nele propostas, primeiro como presidente do Ippuc, posteriormente como prefeito; e Maurício Fruet, que fizera a maior revisão daquele plano até então.

Mas a figura de destaque daqueles seminários foi, sem dúvida, o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, que elaborou o projeto técnico do Plano Diretor de Curitiba. Ao historiar a realização dos trabalhos, aliás no início do regime militar (antes, portanto, do AI-5), lembrou Wilheim o processo democrático daquele plano: por meio de audiências públicas, foram ouvidos os diversos segmentos da sociedade para posteriormente encaminhar o projeto à Câmara Municipal, tornando-se a Lei 2.828/1966, em vigor até os dias de hoje.

Nascido em Trieste, na Itália, em 1928, Jorge Wilheim, de origem judia, chegou ao Brasil com 12 anos. Estudou Arquitetura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, na década de 50, e desde jovem passou a atuar como urbanista, planejando novas cidades brasileiras. Em 14 de fevereiro último, depois de várias semanas internado em consequência de um acidente de trânsito em São Paulo, Wilheim faleceu aos 85 anos de idade. Ele foi secretário de Urbanismo dos prefeitos paulistanos Mario Covas e Marta Suplicy.

Autor de vários planos diretores, entre os quais o de São Paulo, Natal, Joinville e Curitiba, Wilheim foi, nas últimas décadas, um dos mais influentes urbanistas brasileiros. Autor de livros, entre os quais São Paulo Metrópole 65, São Paulo: uma interpretação, Cidades: substantivo e adjetivo, Fax: Mensagens para um futuro próximo e A tênue esperança no vasto caos. Foi professor visitante de universidades no exterior, como as da Califórnia (Berkeley), de Lisboa (Portugal) e de Cambridge (no Reino Unido). No Brasil, nunca pôde dar aulas, já que não tinha pós-graduação e o regime burocrático da educação brasileira impede que quem não seja pós-graduado possa ser professor universitário.

Como arquiteto-chefe da empresa Serete, que havia ganho as licitações para elaborar os projetos de planos diretores de Curitiba e Joinville, Wilheim, três décadas depois, podia fazer uma análise imparcial sobre o seu trabalho nas duas cidades. Naquela palestra de 1997, Jorge Wilheim fez uma revelação surpreendente, afirmando que, enquanto o Plano Diretor de Joinville era até mais arrojado e inovador que o nosso, foi aqui a cidade que se tornou uma referência nacional e até internacional em planejamento urbano.

E deu uma explicação para o sucesso de Curitiba. Disse que, enquanto a capital paranaense colocara em prática o que havia sido planejado, em Joinville muito do que estava projetado nunca saíra do papel. Em outras palavras, explicou Wilheim que o melhor plano diretor para uma cidade é aquele que é implementado, materializado nas ações do poder público, e não o melhor elaborado ou o mais moderno.

O Plano Diretor de Curitiba de 1966 foi atualizado em 2004 com os novos instrumentos urbanísticos criados pela Constituição Federal, de 1988, e pelo Estatuto da Cidade, de 2001. Passaram-se dez anos e, do que está planejado na atualização, pouco ou quase nada foi colocado em prática. Agora, em 2014, Curitiba deverá, por força de lei, revisar seu velho/novo plano diretor.

O desafio está lançado. Curitiba voltará a ser uma cidade inovadora em termos de planejamento urbano, melhorando a qualidade de vida de seus habitantes, ou vai continuar uma cidade com os problemas que se agravaram na última década? Problemas estes conhecidos de todos: congestionamentos enormes no trânsito; decadência do sistema transporte público, caro, ineficiente e dominado por cartel; obras inacabadas, viaduto plagiado; a não implementação de uma reforma urbana, mantendo o passivo de mais de 200 mil curitibanos vivendo em favelas ou habitações precárias.

O legado de Jorge Wilheim nos motiva a dizer um basta a tudo isso, mudar o rumo e fazer de Curitiba novamente uma cidade participativa, inovadora, saudável, produtiva, sustentável e para todos. Uma cidade da qual todos nós nos orgulharemos quando tivermos de responder à pergunta "de onde você é?" Sou de Curitiba. "Curitiba!", exclama o interlocutor, "cidade-modelo, a melhor cidade da América", como eu já ouvi com enorme satisfação e uma indisfarçável pontinha de orgulho, certa vez, de um vereador de Barcelona.

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