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Enquanto o Supremo Tribunal Federal aprimorou a sociedade brasileira ao abandonar o legalismo exacerbado ao criar condições para a depuração da vida política permitindo a aplicação eficaz da Lei da Ficha Limpa, não se pode dizer o mesmo de duas decisões recentes do STJ: a que praticamente emasculou a Lei Seca no trânsito e a que absolveu um adulto que manteve relações sexuais com três adolescentes de 12 anos, alegando que as mesmas eram prostitutas.

No primeiro caso, acredito que há uma inversão fundamental e mortal de raciocínio: quando alguém se recusa a "produzir provas contra si mesmo", cabe perguntar: provas de quê? Provas de que estava se comportando de acordo com a lei e que estava prezando sua intimidade pessoal? Ou de que a estava infringindo e não queria que isso viesse a ser descoberto? Se, como tudo indica, se tratar da segunda hipótese, o julgador deveria levar isso em conta negativamente na análise que fará de um acidente que envolva alguém embriagado. Aparentemente, o STJ sinalizou exatamente na direção oposta, ou seja, de que se não há uma prova cabal, material de que o teor de álcool no sangue era demasiado elevado (que é o teste do bafômetro ou o exame de sangue) não se pode "garantir" que o indivíduo estivesse dirigindo embriagado e colocando em risco a vida de terceiros.

Quando, nas cortes norte-americanas, alguém invoca a Quinta Emenda à Constituição para não produzir provas contra si mesmo, fica patente na mente de qualquer observador a convicção de que esse alguém quer se esquivar de admitir que praticou a ilegalidade que lhe é atribuída. Aqui, se conclui o contrário: se não houver atestado de óbito, não há cadáver, mesmo que o juiz tropece no corpo estendido no chão.

O caso das meninas que mantiveram relações com um adulto, mesmo e principalmente em troca de dinheiro, é simplesmente abjeto. Pode-se invocar uma série de tecnicalidades e de argumentos jurídicos para desqualificar o caráter criminoso do fato, mas juízes do STJ não são apenas "operadores do Direito" como está na moda dizer e sim – quer queiram, quer não balizadores dos comportamentos e condutas sociais. Por mais que digam ao contrário, forneceram com essa decisão, para advogados espertos alegarem a pouca ou nenhuma ingenuidade das menores-vítimas e o "caráter consensual da relação nos casos de violência sexual".

Todos se lembram de uma época em que mulheres estupradas se recusavam a processar os estupradores porque temiam a tentativa de desmoralização por parte dos réus e seus advogados, que inevitavelmente sugeririam que suas "roupas provocantes", atitudes aparentemente receptivas e precedentes na vida sexual autorizavam-nos a pensar que não se importavam de ser violadas contra a vontade. Era uma linha de defesa canalha, mas eficaz, porém já não o é mais. Mike Tyson que o diga.

Um sinal de que o país está melhorando: rapidamente a Câmara dos Deputados aprovou uma nova redação para a Lei Seca, eliminando ou dificultando a esperteza dos que fogem do bafômetro. Em ocasiões anteriores, o Judiciário corrigiu as falhas e omissões do Legislativo. Desta vez, deu-se o contrário.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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