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O machismo levou séculos para se consolidar, por meio dos mais variados instrumentos: ideologia moral e religiosa, coerção, leis e moral. Tornou-se forte e imperativo, uma base sólida para o sistema patriarcal que foi abraçado por homens e mulheres, de forma consciente por alguns, e inconsciente pela maioria. Com este quadro, os homens detiveram, por séculos, o poder econômico e o controle social sem muito esforço. Essa, no entanto, não é mais a realidade. O machismo persiste, mas hoje é percebido e, felizmente, muito questionado e combatido por ao menos parte da sociedade, que já se deu conta de que o respeito à diversidade e à igualdade de gênero é ponto fundamental e inegociável para a saúde de uma sociedade. Já é um começo. Mas não é tudo.

A pesquisa Instituto Avon/Data Popular "Violência contra a mulher: o jovem está ligado?", divulgada recentemente, trouxe dados importantes para a nossa reflexão sobre o ritmo em que o processo de desconstrução do machismo ocorre. O estudo contou com a participação de 2.046 jovens, homens e mulheres, com idade entre 16 e 24 anos. Ele apontou que três em cada quatro mulheres jovens já foram assediadas ou agredidas por companheiros no Brasil. A notícia estampou o noticiário nacional e despertou o interesse de muitos leitores para o fato de que mesmo nos relacionamentos da nova geração surgem indícios de que persiste o machismo e a insistente perpetuação da desigualdade de gênero.

Embora muitos avanços tenham sido alcançados com a Lei Maria da Penha e o processo de conscientização da sociedade sobre o tema, o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking de países com maior incidência criminal contra o sexo feminino. Mais grave ainda saber que boa parte desses assassinatos é cometida por parceiros. Dos 43.654 registros de mulheres mortas por homicídio no país entre 2000 e 2010, 41% aconteceram na residência da vítima.

Os jovens percebem esse cenário. Quando questionados se concordam com a Lei Maria da Penha, 96% se mostraram a favor da medida. A mesma proporção considera que a sociedade brasileira é machista. No entanto, a vontade de desconstruir essa realidade, algo que de fato esperamos de uma geração que vive o universo das redes sociais, das quebras de tabus, da conectividade, não aparece nas respostas.

Alguns valores típicos do pensamento machista continuam a ser aprovados por garotos e garotas. De acordo com o levantamento, 76% dos jovens acham incorreto que a mulher tenha vários casinhos e 48% consideram incorreto ela sair com amigos sem levar o namorado ou o marido como companhia. Além disso, 38% concordam que a mulher que tem relações sexuais com vários homens não é considerada adequada para estar num relacionamento sério. E 25% concordam que, se uma mulher usa decote, está se oferecendo para os homens. É uma minoria, mas ainda assim muito significativa. Um quarto desses jovens tem a tendência de colocar na mulher a culpa por agressões de homens que se sentem atraídos pelo seu corpo. Realmente, algo que não se espera de jovens – mas a verdade é que eles também são nutridos por uma ideologia machista, imbuída em nossa cultura e sociedade.

Chamou bastante a atenção no estudo a constatação de que a violência e o controle sobre a mulher têm sido reproduzidos na rede social. O Brasil protagonizou, nos últimos anos, graves agressões e humilhações contra a mulher, exibidos em vídeos e fotos que vazaram na internet. Da mesma forma que um homem agride fisicamente, ele agora coloca fotos íntimas dessa mulher na rede social. Uma vingança atroz, que merecia ser tipificada na Lei Maria da Penha, pois acontece tendo como base a confiança em um relacionamento.

O espaço virtual também tem se prestado para um aumento do controle nas relações afetivas. Porém, o controle na internet, a submissão e a invasão de privacidade não são vistos por muitos como forma de violência. O estudo constatou que 25% dos jovens já olharam o e-mail, Facebook ou outra rede social sem autorização; 19% já tiveram de excluir um amigo de uma rede social; 17% tiveram de parar de conversar com um amigo virtualmente.

A forma sutil de controle e violência no ambiente virtual pode parecer inofensiva, mas revela uma face preocupante. A internet se tornou espaço de controle entre os parceiros e, apesar de seu caráter contemporâneo, serve de plataforma para atitudes antiquadas e, muitas vezes, machistas. É preciso alertar os jovens para que não caiam nessas armadilhas disfarçadas de boas intenções. Para dar início a uma sociedade transformadora é preciso educação que de fato transforme mentalidades e comportamentos. Vale a reflexão, a começar pelos jovens.

Lírio Cipriani é diretor-executivo do Instituto Avon.

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