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Retrato do Barão de Mauá | /Wikimedia Commons
Retrato do Barão de Mauá| Foto: /Wikimedia Commons

Quantos dos leitores sabem quem foi Irineu Evangelista de Sousa? Facilita se acrescentar que ele foi Visconde e Barão de Mauá? Talvez assim soe mais reconhecível, mas com certeza pouquíssimos saberiam dizer exatamente quem foi e o que fez. Isso é triste, mas não é de espantar. Esse não é o espaço nem eu sou pessoa capacitada para uma análise sociológica da formação do povo brasileiro. Ademais, existem grandes obras tratando da questão. Contudo, faço uma afirmação: nós fomos formados de maneira a desconfiar de quem cria e alcança sucesso; e, com uma visão negativa do esforço, uma visão de que quem tem de realizar muito esforço é coitado, mal sucedido. Parte da falta de reconhecimento do Barão de Mauá reside aí.

Em Mauá: empresário do Império, Jorge Caldeira (Companhia das Letras, 1995) apresenta uma obra primorosa e repleta de detalhes da vida de Irineu. Nascido em família humilde no interior do atual Rio Grande do Sul, fica órfão de pai aos cinco anos de idade; com o segundo casamento da mãe e a rejeição de seus filhos pelo segundo marido, o menino Irineu é enviado aos nove anos de idade para viver com o tio no Rio de Janeiro (onde começou a trabalhar duro tão logo desembarcou na cidade), um self-made man, como dizem os americanos. Irineu se esforçou para evoluir na vida, trabalhando pesado e estudando ao mesmo tempo.

Como seria visto um indivíduo em situação similar ao Barão de Mauá em sua auge no Brasil de hoje?

Crescido, já homem de negócios, foi pioneiro em diversos empreendimentos no país, dentre outros, fundou a primeira companhia de iluminação pública do Brasil, a primeira companhia de navegação fluvial do norte do país, a primeira ferrovia brasileira, o Banco do Brasil (o segundo com o mesmo nome, após o homônimo estatal ter falido anos antes) – a mesma instituição que continua ativa – e a primeira casa de câmbio em solo nacional. Esse brasileiro, criador de diversos empreendimentos, gerador de empregos e renda (foi um dos primeiros empresários brasileiros a não utilizar mão de obra escrava, antes mesmo da Lei Áurea), e que chegou a ter um patrimônio em 1867 aproximadamente 20% superior ao orçamento do Império para o mesmo ano, foi perseguido pela aristocracia do seu tempo e pelo próprio Império.

Analisemos com frieza e de forma franca, como seria visto um indivíduo em situação similar ao Barão de Mauá em sua auge no Brasil de hoje? O leitor há de concordar que para a grande maioria da nossa população, esse indivíduo seria visto como alguém que explora trabalhadores e/ou que mete a mão em recursos públicos. Por que temos de enxergar um explorador numa pessoa que desenvolve um grande império empresarial? O único caminho para a geração de riquezas e grandes capitais é a exploração ou o roubo? Se é assim, como o ser humano conseguiu sair da vida nas cavernas? Alguns roubando pedras de muitos?

Leia também: Para quem, afinal, a desigualdade é o grande problema? (artigo de Flávio Gordon, publicado em 1.º de dezembro de 2017)

Leia também: A inveja, a crise e as trevas (artigo de Alexandre Borges, publicado em 4 de fevereiro de 2016)

Desde há muito existe no nosso imaginário uma visão negativa sobre a realização. Não argumento no sentido de que devemos enxergar em quem cria a personificação da retidão e da bondade. Exatamente o contrário, que enxerguemos que, apesar de suas falhas e erros (inerentes a todos os seres humanos), o criador é alguém que eleva a condição dos seus contemporâneos e mesmo dos que virão após seu tempo. No último 18 de junho, obtive reforço desses entendimento e argumento ao ouvir o relato de Ozires Silva no programa Roda Viva. O fundador e ex-presidente da Embraer nos descreveu uma conversa sua com três membros do comitê que indica candidatos aos prêmios Nobel. Ao perguntar-lhes “Por que o Brasil não tem um Prêmio Nobel?”, a resposta que obteve de um deles foi: “Vocês brasileiros são destruidores de heróis. Sempre que aparece um candidato brasileiro, todo mundo no Brasil [a opinião pública] joga pedra”. E o senhor Ozires adicionou a isso na entrevista: “Parece que o brasileiro desconfia do outro ou tem ciúmes do outro”.

Caso não consigamos, dentre muitas outras coisas, mudar essa maneira generalizada de enxergar os criadores e seu consequente sucesso, seremos sempre o país do futuro. O brasileiro precisa urgentemente desenvolver o hábito de reverenciar quem cria, de admirar o mérito e o sucesso alheio. Já passou da hora de pararmos de enxergar no empresário, no inovador, no indivíduo empresarialmente bem sucedido o bicho papão responsável pelas mazelas do país.

Marcos Pena Júnior é economista.
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