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A ideia de pôr nas mãos do Estado dinheiro e atribuições destinados ao bem de todos só funcionará plenamente se todos respeitarem os códigos de conduta, implícitos ou explícitos

Que o homem não é essencialmente bom já se sabia. Há muito os pensadores alertam para a inata maldade hu­­mana. Um deles alertou que o homem, liberto das regras impostas pelo Estado e pela sociedade se tornaria o lobo do próprio homem, numa guerra de todos contra todos. Seria então da própria natureza humana o egoísmo e a intenção de satisfazer os desejos pessoais em primeiro lugar, a qualquer custo. Os avanços da ciência, em especial da psicanálise, trouxeram elementos valiosos para a compreensão da maldade humana, rompendo com paradigmas e com o senso comum sobre determinados temas. Já se admite, por exemplo, que as crianças não são tão boazinhas e inocentes como preconizava o Novo Testamento. Podem ser até bastante más: o bullying nas escolas que o diga.

Os limites na infância deveriam em primeiro lugar ser dados pelos pais, administrando conflitos com base em valores fundamentais para a sociedade, como a solidariedade e a fraternidade humanas. Não tendo sido dados, a sociedade se incumbirá de tentar ajustar as condutas antissociais. Falhando a sociedade civil, caberá ao Estado reprimir qualquer manifestação do mal que possa pô r em risco valores protegidos por lei, como a vida, a dignidade humana ou o patrimônio, público ou privado. O dano ao patrimônio público, em qualquer das suas formas, da corrupção até o superfaturamento em contratações públicas, é perpetrado por pessoas que não tiveram, ou conseguiram tangenciar e desviar os limites que a família e a sociedade civil tentaram impor em relação a regras básicas, elementares e indispensáveis à saudável convivência humana.

A ideia de pôr nas mãos do Estado dinheiro e atribuições destinados ao bem de todos só funcionará plenamente se todos respeitarem os códigos de conduta, implícitos ou explícitos. Quando o código é violado para que apenas um ou poucos tenham proveito daquilo que é público, e a sociedade não atua prontamente para reprimir a conduta, é emitida uma perigosa mensagem subliminar: a de que é possível obter vantagem indevida das coisas públicas e não ser apanhado e punido. Sobre o assunto, Maria Rita Kehl disse que o código dispensa razões e explicações, e que quando perguntamos "por que não?", é porque a sustentação simbólica (inconsciente) do código já se esfacelou. Isso é muito grave, pois algumas pessoas não têm limites internalizados – vide os sociopatas. Logo, é preciso que a certeza da punição se imponha como um limite efetivo contra condutas antissociais, em especial no caso, daquelas que produzam lesão ao erário. É certo que a Constituição impõe princípios necessários como o do devido processo legal – ninguém pode ser punido sem processo prévio, e as garantias do contraditório e da ampla defesa. Não se cogita de supressão destas garantias. O que a sociedade deve exigir é que o processo e a defesa sejam céleres, possibilitando a punição de quem deva ser punido rapidamente. Isso passa inclusive pela reflexão acerca dos limites do direito de defesa. Para ilustrar, não parece correto que sejam indicadas dezenas de testemunhas em um processo judicial ou administrativo, muitas delas residentes em outros países, apenas para retardar o tempo do processo, sem qualquer proveito útil para a busca da verdade. Muito se tem alegado também contra a pena de prisão, e a favor da sua substituição por penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários. Talvez no caso da corrupção o caminho deva ser inverso. Com base em lei, e em alteração constitucional poderiam ser criados presídios especiais, nos quais os corruptos pudessem cumprir penas severas de reclusão. A medida teria dois bons propósitos: o primeiro de incutir temor reverencial e mais respeito para com a coisa pública; o segundo, o de impedir que os corruptos tenham contato e possam influenciar negativamente delinquentes de menor periculosidade, como os assaltantes comuns.

José Anacleto Abduch Santos, mestre em Direito Administrativo, é advogado, procurador do Estado e professor do Unicuritiba.

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