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O Brasil ainda é um país pobre no uso estatísticas qualificadas para influenciar e qualificar políticas públicas. Mas, quando determinadas realidades começam a ganhar luz, a urgência de ações se torna evidente. É o caso da inigualável mortandade de animais selvagens em nossos quase 2 milhões de quilômetros de estradas e rodovias.

Baseadas em artigos científicos sobre várias regiões do país, as estimativas do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas da Universidade Federal de Lavras (MG) não poderiam ser mais assustadoras: 450 milhões de animais selvagens são atropelados todos os anos no Brasil. Isso equivale a cerca de 15 animais a cada segundo.

Com a maior malha, o Sudeste é o campeão no ranking da carnificina. Mas em outras regiões o problema também é grave, como na Estação Ecológica do Taim (RS), na Reserva Biológica de Sooretama (ES), no Pantanal e no nordeste de Goiás. Todas são centros de conservação da vida, diariamente dizimada em um país de proporções continentais que insiste no uso e na expansão do modal rodoviário.

Nove entre dez vítimas da chacina são pequenos sapos, lagartos e aves, enquanto pumas, antas e lobos somam 1% das estatísticas, ou mais de 4 milhões de grandes animais atropelados todos os anos. Nesse caso, tamanho não é documento. Todos os animais são parte de uma grande máquina natural que nos garante água, clima, solos ricos, condições essenciais à manutenção de nossa economia e qualidade de vida.

A situação ganha cores mais quentes quando notamos que muitos parques nacionais e outras unidades de conservação têm estradas, rodovias e ferrovias como vizinhas ou até definindo seus limites. De maneira geral, essas vias não são planejadas e construídas com medidas que reduzam os atropelamentos, justamente em áreas onde a vida deveria ser conservada.

Além do impacto direto do atropelamento, rodovias e ferrovias afetam animais a mais de mil metros de distância, assustando-os e dificultando sua movimentação e reprodução. Também é comum que cadáveres atropelados atraiam outras espécies, como urubus e demais carniceiros, aumentando a chance de novos atropelamentos.

Para os animais selvagens, o problema é trágico, mas o ser humano também arca com as consequências. Em acidentes envolvendo animais de grande porte, veículos, motoristas e passageiros podem sofrer sérios danos, inclusive com mortes registradas.

Diante desse preocupante cenário e da insignificante regulação legal, quais as alternativas para reduzir o massacre rodoviário da vida selvagem brasileira e também proteger vidas humanas?

Em nível local, em pontos estratégicos das vias, é possível instalar pontes ou túneis, redutores de velocidade e placas de sinalização. Em maior escala, precisamos avançar em estudos de longa duração, mapeando e registrando atropelamentos para definir as melhores medidas para a nossa realidade. Assim como já fazem inúmeros países.

Nenhuma rodovia ou ferrovia no Brasil tem seu traçado ambientalmente correto, pois são projetadas e construídas descartando a conservação da vida e com o menor orçamento possível. Só após a definição dos traçados, muitas vezes cruzando parques e outras unidades de conservação, é que ocorrem estudos para a redução de impactos.

Diante dessas condições, torna-se ainda mais importante que tenhamos um arcabouço legislativo que reconheça e insira a proteção de nossas riquezas naturais em planos e estratégias de desenvolvimento econômico. Na prática, contamos hoje com apenas uma instrução normativa do Ibama e com uma portaria dos ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes oferecendo inaceitáveis 20 anos para que rodovias federais sejam ambientalmente regularizadas.

Até lá, talvez não tenhamos mais animais silvestres circulando pelo país.

Alex Bager é coordenador do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras (MG). Aldem Bourscheit é especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. Angela Kuczach é diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação.

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