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Pouco a pouco, como boneco de areia modelado pelos arquitetos de praia, o presidente-reeleito Luiz Inácio Lula da Silva vai esculpindo em frases lançadas ao vento ou encaixadas nos improvisos de cada dia, a maquete do governo que sonha para o segundo mandato e o tipo padrão de brasileiro a merecer o novo país das maravilhas.

A cada dia, o toque sutil na massa vai definindo os traços de caráter, a arrumação das idéias reformuladas na cuca do povo, os sinais, apenas indícios do que está sendo gerado pelo iluminado pelo destino para reformar o Brasil.

À medida que se aproxima o dia do bis da posse, acelera o acabamento da escultura. Esta semana, por exemplo, foi de muita atividade no ateliê do Palácio do Planalto e nos serões nas oficinas do Alvorada e da Granja do Torto.

O traço mais vigoroso e inesperado no risco de uma frase iluminada do presidente na reunião com os representantes de movimentos sociais que foram cobrar o seu pedaço no bolo do governo. Na pá de cal no sepulcro do falecido PT dos tempos das greves sindicais que consagraram o líder de barba negra sem a tintura do socialismo, o presidente rasgou elogios ao modelo chinês, tal como imagina nos solilóquios das noites de insônia: na China não tem partido – explica: "Quando o presidente manda, todo o mundo obedece". E, sacudindo as orelhas petistas: "Aqui, nem o PT me obedece".

A reprimenda passou como gato em teto de zinco sob o sol de verão. Lula desfez o engano com o elogio ao bom humor na crítica aos que não entendem ou não aceitam as suas brincadeiras. No mesmo tom jocoso, desqualificou para uma simples pilhéria a frase da véspera, que tanto indignou os veteranos militantes socialistas. Esclareceu: foi apenas uma pilhéria a qualificação de esquerdistas e conservadores pela cor da cabeleira: os jovens madrugam na quimera do socialismo que derruba as muralhas que separam os ricos da pobreza. Mas tão logo os fios brancos denunciam o avanço na idade, a cabeça grisalha arquiva as utopias esquerdistas para substituí-las pela solidez madura do conservadorismo.

A onda das reações indignadas dos veteranos militantes socialistas, com o passado de lutas, prisões, torturas, surpreendeu o presidente, que caiu em si, no mais azarado dos tombos. Os remendos disfarçam o estrago. E foram categóricos no embrulho das explicações: "Acho que as pessoas perderam o humor. Fiz uma brincadeira. Parece que tem gente no Brasil que não gosta mais do humor, ou seja, que humor é pecado".

Cancele-se, portanto, a galhofa da véspera: "Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas".

E o modelito chinês, enquadrado na disciplina oriental das ditaduras que fuzilaram milhões deve ser adoçado por generosas doses de açúcar. Ou de cócegas nas axilas para os frouxos de riso que temperam a obediência.

No trivial dos alinhavos para a formalização das alianças com dez partidos – na sopa de siglas que inclui o indisciplinado PT (mais por baixo do que bumbum de sapo) – uma charada a justificar o prêmio a quem decifrar o significado da mistura de letrinhas, muitas das quais compõem siglas de faz-de-conta: PRB, PV, PP, PDT, PTB, PCdoB, PSB, PMDB e PR.

Na montagem do novo governo, Lula não tem pressa nenhuma. Espicha conversas, alonga prazos para ficar nas preliminares que marcam passo para acertar a cadência antes da marcha.

A reunião inaugural do Conselho Político foi uma tertúlia de amenidades e de declarações de princípios óbvios. A unânime concordância da urgência de reformas, adiadas nos quatro anos do primeiro mandato, como a política, a da Previdência Social e tantas outras, o compromisso com a retomada dos crescimento para alcançar a meta de 5% do PIB, depois do pífio resultado da previsão abaixo de 3% para este ano, fechou com a promessa do prévio acerto com os aliados antes do encaminhamento de propostas ao Congresso.

Sobre o rateio de ministérios, secretarias e autarquias aos aliados nem um pio. A delicadeza das barganhas exige a discrição de cochichos.

Nada de pressa, inimiga da perfeição. Daqui até a posse, uma larga quinzena para os cambalachos. Todos receberão o mimo, mesmo depois do Natal.

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