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Dado o resultado das eleições presidenciais de 2014, tendo sido Dilma Rousseff novamente conduzida ao poder, vejo mensagens de amigos e colegas discutindo sobre como proceder para separar o Sul, ou parte das regiões Sudeste e Nordeste, do restante de nosso país.

Condutas separatistas são proibidas pela nossa Constituição. Isso significa que, em princípio, pessoas podem ou não vir a sofrer processos criminais por expressar indignação e revolta via discursos de secessão. Trata-se de identificar em que grau de intensidade e de mobilização pública isso é feito. Mas essa não é a questão que pretendo trazer por aqui.

Meu pai tem 80 anos de idade. Nascido em Luiz Corrêa, no interior do Piauí, dedicou metade de sua vida – 40 anos – à educação. Ganhou seu primeiro par de calçados aos 12 anos. Aos 17, agarrou uma oportunidade para crescer na vida inscrevendo-se no tiro de guerra do Exército. Dos 18 aos 29, morou no Rio de Janeiro, dividindo-se, com muita dificuldade, entre as obrigações militares e a vontade, sempre gigantesca, de estudar. Tendo concluído os estudos tardiamente, e já dado aulas no Rio, prestou concurso público, foi aprovado e, durante quatro décadas, lecionou Matemática e Ciências Biológicas em colégios públicos em distintas cidades do Paraná. Nesse período, dentre outras coisas, montou um curso preparatório para exames de madureza, uma escola de datilografia, e exerceu três mandatos consecutivos como diretor de colégio público, onde construiu laboratórios, canchas de esporte, oficinas de marcenaria e clínica odontológica para atendimento a alunos e funcionários da escola, no Paraná. É, hoje, com extremo orgulho, o paraquedista do Exército vivo mais antigo do país.

No meio de tudo isso, conheceu minha mãe, gaúcha, nascida em Encantado, no interior do Rio Grande do Sul. Também professora, ao lado de meu pai empenhou-se em ajudar a construir o nosso Brasil. Afinal, constituintes não são apenas aqueles que elegemos para escrever a nossa Constituição. Ou aqueles que a interpretam nos tribunais. Ou, ainda, aqueles que lecionam nas universidades. Constituintes somos eu, você e cada um de todos nós.

Em 1988, ano de promulgação da nossa nova Constituição da República, lembro-me de meu pai, enquanto diretor de escola pública, ter ido a Brasília solicitar, diretamente no Gabinete da Presidência, exemplares da nova Constituição e bandeiras nacionais, tendo-as distribuído para autoridades, instituições públicas e estudantes que se dirigissem para fora do país em intercâmbio cultural. Assim o fez com o objetivo de dar publicidade e garantir conhecimento daquilo que um amante do Brasil reconhecia como sendo de maior valor: a lei mais importante do país, como base de ordem e de progresso.

Tudo isso precisa ser dito para que reconheçamos que opções separatistas sempre irão existir, mas uma coisa é certa: se nordestinos concentram a destinação de recursos públicos de programas sociais de distribuição de renda, é porque em sua terra, por um lado, sobram corrupção, extrema pobreza e ausência de investimentos sólidos; e, por outro lado, faltam oportunidades, oportunidades e oportunidades para um povo historicamente massacrado e explorado. Ainda assim, muitos são aqueles que, com espírito empreendedor, vencem obstáculos como fome, seca, doenças e muita, muita miséria para, ao fim e ao cabo, ajudar a construir este país. Muitos são aqueles que, superando o egoísmo dos "do Sul" (não importa onde eles estiverem) e o preconceito dos alienados, contribuem indelevelmente com o direito, a música, o teatro e a literatura nacionais, por exemplo. Assim, pergunto: é preciso, afinal, que todos contribuam da mesma maneira? É preciso, mais do que isso, que cultivemos uma herança cultural de discórdia e desentendimento, presente desde o Brasil pré-colonial, quando tribos indígenas falantes de dialetos diferentes, porém entroncadas em uma mesma língua matriz – o tupi –, brigavam entre si fragmentando-se, constantemente, em microcomunidades? Nem para todas as perguntas haverá respostas, mas é importante pensar, cautelosamente, sobre os problemas, para lhes identificar a raiz, antes de apontar – muitas vezes, genérica e levianamente – uma solução.

Vivo no Paraná, e sou resultado da união de dois extremos deste país. Uma união feita com amor, trabalho, dedicação e otimismo. Acima de tudo, uma união que ignorou preconceitos, respeitou diferenças e amadureceu no reconhecimento da igualdade. É dessa atitude que nós precisamos, e não da espera de um único salvador (um partido, uma "Dilma" ou um "Aécio"), para que se alcance, sempre e cada vez mais, um país melhor, e mais justo para todos.

Ana Lucia Pretto Pereira, pós-doutora em Direito Constitucional, é professora do mestrado em Direito das Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil), voluntária (mentora) da Youth Business International – Aliança Empreendedora, em Curitiba, pesquisadora bolsista no Brasil e no exterior, e autora de Relativização da coisa julgada: um estudo sobre o consequencialismo e a segurança jurídica nas decisões do Supremo Tribunal Federal frente a condenações de grande valor contra o Estado e Reserva do possível: judicialização de políticas públicas e jurisdição constitucional (ambos no prelo).

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