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Ministério da Saúde é comandado interinamente pelo general Eduardo Pazzuello.
Fachada do Ministério da Saúde.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Com mais de um ano de atraso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou a resolução normativa que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. A última atualização havia sido publicada em dezembro de 2017 e deveria ter sido atualizada até o início de 2020. Entretanto, somente a partir do próximo dia 1.º de abril teremos 69 novas coberturas e outras alterações que ampliam ou qualificam a assistência aos beneficiários dos planos de saúde nacionais.

A mudança que mais chama a atenção não é a lista das novas coberturas, mas a nova redação do artigo 2.º da RN 465/2021, que estabelece que, para fins de cobertura, considera-se “taxativo” o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto na resolução. As operadoras de planos de saúde comemoraram a alteração. Mas o que isso de fato significa?

No fim de 2019 instalou-se uma controvérsia no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da interpretação do rol da ANS. Até então, o rol era considerado pelo STJ (e por todos os tribunais de Justiça do país) como uma lista meramente exemplificativa, impondo aos planos de saúde coberturas adicionais sempre que solicitado pelo médico assistente dos pacientes.

A decisão mudou o entendimento da 4.ª Turma do STJ, que, de lá para cá, tem julgado todos os processos no mesmo sentido. A Turma entende que o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, além da segurança jurídica, precisam ser preservados nos contratos de plano de saúde, sendo lícito às operadoras negar cobertura a procedimentos não constantes do rol da ANS, que seria, então, uma lista taxativa.

Entretanto, a 3.ª Turma mantém o entendimento firme de que o rol da ANS é meramente exemplificativo, pois delimitar taxativamente as coberturas nega o disposto na Lei 9.656/98, restringe o direito assegurado ao consumidor e frustra a finalidade do próprio contrato, impondo a renúncia antecipada ao direito inerente à própria relação contratual.

A inclusão do termo “taxativo” na nova resolução, na verdade, não tem o condão de alterar o entendimento jurisprudencial, que precisará ser pacificado pela corte superior.

A taxatividade do rol mínimo sempre existiu. A lista periodicamente atualizada pela ANS é a referência de cobertura mínima obrigatória à qual todos os planos de saúde nacionais estão obrigados. Nesse sentido, a lista é taxativa, porque as operadoras não encontram flexibilização dentro desta relação de procedimentos mínimos a serem garantidos. Devem cumpri-la à risca, sob pena de sanções aplicadas pela ANS. Portanto, novidade não há.

A ANS jamais poderia impor a vinculação de cobertura restrita ao rol, pois estaria limitando a liberdade econômica das operadoras. Observe-se, inclusive, que a redação do artigo 2.º manteve a ressalva de que os planos de saúde podem oferecer coberturas adicionais do rol mínimo, por sua livre iniciativa ou por previsão contratual.

O real problema da judicialização é o fato de que quase todos os planos de saúde incluem na redação dos seus contratos que a cobertura é limitada ao rol da ANS. Desta forma, argumentam que o beneficiário estava ciente, na contratação, de que somente teria garantia àqueles procedimentos.

A primeira crítica que se faz, e que foi muito bem observada no julgamento recente do REsp1846108/SP pela ministra Nancy Andrighi, é de que não se pode exigir do consumidor o conhecimento prévio de todos os procedimentos contidos no rol da ANS. Nenhuma operadora entrega a lista ao contratante, tampouco a atualiza à medida que a ANS publica o novo rol. E, ainda que o fizesse, os termos ali contidos são técnicos e inacessíveis ao cidadão comum.

Some-se a isso o fato de que o consumidor não encontra no mercado dos planos de saúde produtos flexíveis, que ofereçam de forma clara e com cobranças adicionais coberturas além do rol da ANS. Tivesse o consumidor a opção de contratar dentro dos limites do rol, ou além destes, e manifestasse a opção de forma expressa no ato da contratação, talvez os rumos da judicialização da saúde suplementar fossem diferentes.

Por ora, é fato que o consumidor encontra à sua disposição planos de saúde padronizados, desconhece todas as coberturas às quais tem direito ou não e tem a expectativa de garantia de tratamento integral, caso venha a adoecer.

Melissa Kanda Dietrich é advogada especializada em Direito Médico e à Saúde.

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